3° Domingo da Quaresma

Ano c
3° Domingo da Quaresma
Tema do 3.º Domingo da Quaresma
Na terceira etapa da caminhada da Quaresma, a liturgia convida-nos, uma vez mais, a tomar consciência do projeto que Deus tem para nós. Decidido a conduzir-nos em direção à vida verdadeira, Deus caminha ao nosso lado, aponta-nos caminhos de liberdade e de vida nova, convida-nos a derrubar tudo aquilo que nos escraviza, nos limita e nos encerra em fronteiras fechadas de egoísmo, de sofrimento e de morte.
Na primeira leitura Deus apresenta-se a Moisés e aos hebreus que vivem como escravos no Egito. Ele não olha com indiferença para o sofrimento dos seus filhos escravizados e maltratados; mas está ao lado deles, ajuda-os a libertarem-se das cadeias de morte que os prendem, condu-los em direção à liberdade e à vida plena. A libertação dos escravos hebreus do Egito oferece-nos o modelo que o Deus salvador vai usar, em todas as épocas da história, para salvar o seu povo.
O Evangelho apresenta-nos um apelo veemente de Jesus à conversão, à transformação radical da existência, a uma mudança de mentalidade, a um recentrar a vida de forma que Deus e os seus valores passem a ser a nossa prioridade fundamental. Se isso não acontecer, diz Jesus, a nossa vida terá sido uma perda de tempo, um projeto falhado.
A segunda leitura avisa-nos que uma experiência religiosa que se traduz em meros rituais externos e vazios não nos assegura a vida e a salvação; o que é importante é a adesão verdadeira a Deus, a vontade de aceitar a sua proposta de salvação, o seguimento radical de Jesus.
LEITURA I – Êxodo 3,1-8a.13-15
Naqueles dias,
Moisés apascentava o rebanho de Jetro,
seu sogro, sacerdote de Madiã.
Ao levar o rebanho para além do deserto,
chegou ao monte de Deus, o Horeb.
Apareceu-lhe então o Anjo do Senhor
numa chama ardente, do meio de uma sarça.
Moisés olhou para a sarça, que estava a arder,
e viu que a sarça não se consumia.
Então disse Moisés: «Vou aproximar-me,
para ver tão assombroso espetáculo:
por que motivo não se consome a sarça?»
O Senhor viu que ele se aproximava para ver.
Então Deus chamou-o do meio da sarça:
«Moisés! Moisés!»
Ele respondeu: «Aqui estou!»
Continuou o Senhor:
«Não te aproximes daqui.
Tira as sandálias dos pés,
porque o lugar que pisas é terra sagrada».
E acrescentou: «Eu sou o Deus de teu pai,
Deus de Abraão, Deus de Isaac e Deus de Jacob».
Então Moisés cobriu o rosto,
com receio de olhar para Deus.
Disse-lhe o Senhor:
«Eu vi a situação miserável do meu povo no Egipto;
escutei o seu clamor provocado pelos opressores.
Conheço, pois, as suas angústias.
Desci para o libertar das mãos dos egípcios
e o levar deste país para uma terra boa e espaçosa,
onde corre leite e mel».
Moisés disse a Deus:
«Vou procurar os filhos de Israel e dizer-lhes:
‘O Deus de vossos pais enviou-me a vós’.
Mas se me perguntarem qual é o seu nome,
que hei de responder-lhes?»
Disse Deus a Moisés:
«Eu sou ‘Aquele que sou’».
E prosseguiu:
«Assim falarás aos filhos de Israel:
O que Se chama ‘Eu sou’ enviou-me a vós».
Deus disse ainda a Moisés:
«Assim falarás aos filhos de Israel:
‘O Senhor, Deus de vossos pais,
Deus de Abraão, Deus de Isaac e Deus de Jacob,
enviou-me a vós.
Este é o meu nome para sempre,
assim Me invocareis de geração em geração’».
CONTEXTO
O livro do Êxodo é um dos livros mais importantes do Antigo Testamento. No seu centro está aquele que é o dogma central do credo israelita e a chave de compreensão da história e da fé judaica: a intervenção libertadora de Deus para salvar os hebreus da escravidão em que viviam, no Egito.
São numerosos os testemunhos da circulação de grupos nómadas ou seminómadas entre a terra de Canaan e o Egito durante o segundo milénio a.C. (cf. Gn 12,10-20; 37,25; 42,1-3; 43,1-2). Terra fecunda e fértil, alimentada pelo rio Nilo, o Egito constituía uma miragem de vida e abundância para os clãs que circulavam com os seus rebanhos pelas franjas do deserto; e diversos grupos humanos, interessados em assegurar a sua subsistência, dirigiam-se para o Egito, sobretudo em épocas de carestia de alimentos. Em alturas em que o poder central egípcio era menos forte, era relativamente fácil que essas migrações tivessem sucesso. Por outro lado, as campanhas militares de Tutmosis III (1468-1436 a.C.), de Amenófis II (1436-1412 a.C.), de Seti I (1317-1301 a.C.) e de Ramsés II (1301-1234 a.C.) na Síria e na Palestina, arrastaram para o Egipto enormes colunas de prisioneiros, que foram obrigados a trabalhar nas grandes obras egípcias. Os estrangeiros a viver em terra egípcia eram, portanto, numerosos.
Não sabemos exatamente em que circunstâncias algumas famílias descendentes dos patriarcas bíblicos – Abraão, Isaac e Jacob – desceram ao Egito. Os capítulos 37 a 50 do livro do Génesis (o chamado “ciclo de José”) dão a entender que essas famílias tinham ido à procura de melhores condições de vida, numa altura em que a Palestina conhecia uma seca severa. Designados como “hebreus”, esses descendentes dos patriarcas bíblicos instalaram-se na zona oriental do delta do rio Nilo, na chamada “terra de Goshen” (Gn 46,28; 47,1-6).
No séc. XIII a.C., numa altura em que o poder central egípcio se tinha unificado e exercia um controle rigoroso sobre os grupos estrangeiros a residir no país, os clãs semitas que tinham imigrado para o Egito viram piorar consideravelmente as suas condições de vida. O livro do Êxodo explica que a opressão desses grupos humanos se consubstanciava em três aspetos: trabalhos forçados (cf. Ex 1,8-14), eliminação das crianças do sexo masculino (cf. Ex 1,15-22) e degradação progressiva das condições de trabalho (cf. Ex 5,6-23). Parecia uma situação sem saída. Diz-nos o livro do Êxodo: “os filhos de Israel gemiam na servidão, e ergueram até Deus o seu grito de socorro. Deus ouviu os seus gemidos e recordou-se da sua aliança com Abraão, Isaac e Jacob. Deus viu os filhos de Israel e conheceu-os” (Ex 2,23-25).
Portanto, os escravos oprimidos pediram a ajuda de Deus. Dizer que “Deus ouviu os gemidos” do povo escravizado e que se “recordou da sua aliança com Abraão, Isaac e Jacob”, significa que Deus se prepara para intervir. Ele vai iniciar um projeto de libertação que abra de novo as portas da vida para aquele povo condenado à morte. Nesse sentido, Deus vai chamar um homem, um tal Moisés, que vai ser o “agente de Deus” nesse processo de libertação.
O texto que a primeira leitura deste terceiro domingo da quaresma nos apresenta conta-nos como Deus se revelou a chamou Moisés, o chamou e lhe confiou a missão de libertar os escravos hebreus.
MENSAGEM
No relato enlaçam-se dois temas fundamentais: a vocação de Moisés (vers. 1-8) e a revelação do nome de Deus (vers. 13-15).
Moisés vivia no deserto do Sinai, na “terra de Madiã”. Tinha buscado refúgio no deserto para escapar à perseguição que o faraó do Egito lhe tinha movido, depois de ele ter tomado o partido dos escravos hebreus. Entretanto, tinha casado e refeito a sua vida (cf. Ex 2,11-22). Pastoreava os rebanhos do seu sogro; sentia-se livre, seguro e em paz. Mas Deus tinha outros planos para Moisés. Deus tinha escutado o sofrimento dos escravos no Egito e estava disposto a intervir para os salvar. Por isso, num dia em que Moisés andava com o rebanho nas imediações do monte Horeb, Deus “meteu-se” com ele e deixou-lhe um desafio.
O encontro de Moisés com Deus é descrito nos moldes de uma “teofania”, o cenário que a catequese de Israel utilizava para as “manifestações de Deus”: o “anjo do Senhor” que aparece numa chama de fogo (vers. 2-3); a omnipotência, a santidade e a majestade de Deus (vers. 4-5); a autoapresentação de Deus e o sentimento de “temor” que o homem experimenta diante da divindade (vers. 6). Captada a atenção de Moisés, Deus entra diretamente na questão: “eu vi a situação miserável do meu povo no Egipto; escutei o seu clamor provocado pelos opressores. Conheço, pois, as suas angústias. Desci para o libertar das mãos dos egípcios e o levar deste país para uma terra boa e espaçosa, onde corre leite e mel” (vers. 7-8). E Deus acrescenta (num desenvolvimento que a leitura deste domingo não nos trouxe: “E agora vai; Eu te envio ao faraó, e faz sair do Egito o meu povo, os filhos de Israel” (vers. 10). Deus viu, Deus comoveu-se com o sofrimento do povo, Deus decidiu intervir; e Deus conta com Moisés para realizar os seus planos. O chamamento e o envio de Moisés é uma iniciativa do Deus libertador, resolvido a salvar o seu Povo. Deus age na história humana, Deus concretiza o seu projeto salvador através de homens de coração generoso e disponível que aceitam colaborar com Ele.
Depois do relato do chamamento de Moisés, a narração concentra-se na revelação do nome de Deus (vers. 13-15). Moisés, para se apresentar aos escravos hebreus como o enviado do Deus libertador, devia identificar pelo nome o Deus que o enviava. Ora, o nome com que o Deus libertador se identifica, radica no imperfeito do verbo “ser” (“hayah”), que tem sentido de presente e de futuro: “Eu sou (ou serei) ‘aquele que sou’ (ou que serei)”. É um nome que acentua a presença contínua de Deus na vida do seu Povo, uma presença viva, ativa e dinâmica, no presente e no futuro, como libertação e salvação. O Deus libertador que, através de Moisés, se apresenta aos escravos hebreus, é o Deus que escuta e sempre escutará aquele povo em sofrimento; é o Deus que sente e sempre sentirá a dor do povo escravizado; é o Deus que não fica e nunca ficará de braços cruzados diante da exploração e da injustiça; é o Deus que intervém e sempre intervirá para salvar e libertar; é o Deus que acompanha e sempre acompanhará aqueles que anseiam pela vida e pela libertação. Os israelitas descobriram, assim, que Javé, o Deus libertador, estava envolvido daquela tentativa humana de libertação. Javé, o Deus libertador e salvador, ia garantir que um povo condenado à morte se reencontrasse com a vida.
Para Israel, o Êxodo tornar-se-á modelo e paradigma de todas as libertações. A partir desta experiência, Israel percebeu que Javé está vivo e atuante na história dos homens, agindo no coração e na vida de todos os que lutam para tornar este mundo mais livre, mais humano, mais feliz. Israel descobriu – e procurou dizer-nos isso também a nós – que, no plano de Deus, aquilo que oprime e destrói os homens não tem lugar. Na libertação do Egipto, os israelitas – e, através deles, toda a humanidade – descobriram o rosto e o coração do Deus salvador e libertador.
INTERPELAÇÕES
- Os lamentos dos escravos hebreus no Egito, privados de vida e de liberdade, têm paralelo, em pleno séc. XXI, no sofrimento de tantos homens e mulheres que todos os dias são vítimas de mecanismos de exploração, de injustiça, de violência e de morte. Um pouco por todo o lado, os povos lutam para se libertarem do imperialismo, da tirania, da violência, do autoritarismo de líderes medíocres e sem visão; os pobres lutam para se libertarem da miséria, da fome, da ignorância, da doença, das estruturas injustas; os “diferentes” lutam pelo direito ao reconhecimento e à integração plena na sociedade e nas Igrejas; os operários lutam pela defesa dos seus direitos, das suas condições de trabalho, de uma remuneração justa pelo seu serviço à sociedade; as mulheres lutam pela defesa da sua dignidade e da sua igualdade fundamental com os homens; os estudantes lutam por um sistema de ensino que os prepare para desempenhar um papel válido na sociedade; os imigrantes lutam pela sobrevivência, pelo seu direito a uma vida “viável”, para eles e para as suas famílias… Como vemos e sentimos estas “lutas” pela vida, pela dignidade, pela liberdade? Temos consciência de que, em qualquer contexto e em qualquer momento onde alguém está a lutar por um mundo mais justo e mais fraterno, aí está Deus – esse Deus libertador e salvador que vive com paixão o sofrimento dos explorados e que não fica de braços cruzados diante das injustiças?
- O chamamento que Deus faz a Moisés para liderar o processo de libertação dos escravos hebreus no Egito lembra-nos que Deus age na nossa vida e na nossa história através de homens e mulheres de boa vontade, que aceitam ser seus instrumentos na libertação do mundo. Diante dos sofrimentos dos irmãos e dos desafios de Deus, como respondemos: com o comodismo de quem não está para se preocupar com os problemas dos outros? Com o egoísmo de quem acha que não é nada consigo? Com a passividade de quem acha que já fez alguma coisa e que agora é a vez dos outros? Ou com uma atitude de profeta, que se deixa interpelar por Deus e aceita colaborar com Ele na construção de um mundo mais justo e mais fraterno? Poderemos sentir-nos dignos filhos desse Deus que se revelou a Israel como “o libertador”, se não nos envolvermos na libertação dos nossos irmãos e irmãs vítimas de todo o tipo de escravidões?
- O “nome” de Deus, revelado a Moisés no Sinai, é “eu sou e serei sempre aquele que se preocupa convosco e vos acompanha”; “eu estou e estarei sempre com o meu povo nos caminhos que ele tiver de percorrer”. É um nome extraordinariamente sugestivo, um nome que nos dá garantias. Ao escutá-lo, ficamos com a certeza de que não caminhamos sozinhos, não estamos abandonados à nossa sorte, não vogamos sem destino em direção a coisa nenhuma… Deus, esse Deus libertador e salvador que apareceu na vida dos escravos hebreus para lhes dar vida, está e estará sempre ao nosso lado, envolvendo-nos com o seu amor, a sua bondade, a sua ternura de pai e de mãe. Caminhamos pela vida conscientes da presença contínua ao nosso lado desse Deus? A consciência dessa presença conforta-nos e dá-nos a força necessária para enfrentar a luta diária por uma vida digna, livre e feliz?
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 102 (103)
Refrão: O Senhor é clemente e cheio de compaixão.
Bendiz, ó minha alma, o Senhor
e todo o meu ser bendiga o seu nome santo.
Bendiz, ó minha alma, o Senhor
e não esqueças nenhum dos seus benefícios.
Ele perdoa todos os teus pecados
e cura as tuas enfermidades;
salva da morte a tua vida
e coroa-te de graça e misericórdia.
O Senhor faz justiça
e defende o direito de todos os oprimidos.
Revelou a Moisés os seus caminhos
e aos filhos de Israel os seus prodígios.
O Senhor é clemente e compassivo,
paciente e cheio de bondade.
Como a distância da terra aos céus,
assim é grande a sua misericórdia para os que O temem.
LEITURA II – 1 Coríntios 10,1-6.10-12
Irmãos:
Não quero que ignoreis
que os nossos pais estiveram todos debaixo da nuvem,
passaram todos através do mar
e na nuvem e no mar,
receberam todos o batismo de Moisés.
Todos comeram o mesmo alimento espiritual
e todos beberam a mesma bebida espiritual.
Bebiam de um rochedo espiritual que os acompanhava:
esse rochedo era Cristo.
Mas a maioria deles não agradou a Deus,
pois caíram mortos no deserto.
Esses factos aconteceram para nos servir de exemplo,
a fim de não cobiçarmos o mal,
como eles cobiçaram.
Não murmureis, como alguns deles murmuraram,
tendo perecido às mãos do Anjo exterminador.
Tudo isto lhes sucedia para servir de exemplo
e foi escrito para nos advertir,
a nós que chegámos ao fim dos tempos.
Portanto, quem julga estar de pé
tome cuidado para não cair.
CONTEXTO
Corinto, cidade nova e próspera, era a capital da Província romana da Acaia e a sede do procônsul romano. Servida por dois portos de mar, nela se cruzavam pessoas de todas as raças e religiões. Era a cidade do desregramento para os marinheiros que cruzavam o Mediterrâneo e que, após semanas de navegação, chegavam com vontade de se divertir. No centro da cidade, o templo de Afrodite, a deusa grega do amor, atraía os peregrinos e favorecia os desregramentos e a libertinagem sexual. Na época de Paulo, a cidade comportava cerca de 500.000 pessoas, das quais dois terços eram escravos. A riqueza escandalosa de alguns contrastava com a miséria da maioria.
No decurso da sua segunda viagem missionária, Paulo chegou a Corinto, depois de atravessar boa parte da Grécia, e ficou por lá cerca de 18 meses (anos 50-52). De acordo com At 18,2-4, Paulo começou a trabalhar em casa de Priscila e Áquila, um casal de judeo-cristãos. Ao sábado, usava da palavra na sinagoga. Com a chegada a Corinto de Silvano e Timóteo (2 Cor 1,19; At 18,5), Paulo consagrou-se inteiramente ao anúncio do Evangelho.
Como resultado da pregação de Paulo, nasceu a comunidade cristã de Corinto. A maioria dos membros da comunidade era de origem grega, embora de condição humilde (cf. 1 Cor 11,26-29; 8,7; 10,14.20; 12,2); mas também havia elementos de origem hebraica (cf. At 18,8; 1 Cor 1,22-24; 10,32; 12,13). De uma forma geral, a comunidade era viva e fervorosa; no entanto, estava exposta aos perigos de um ambiente corrupto: moral dissoluta (cf. 1 Cor 6,12-20; 5,1-2), querelas, disputas, lutas (cf. 1 Cor 1,11-12), sedução da sabedoria filosófica de origem pagã que se introduzia na Igreja revestida de um superficial verniz cristão (cf. 1 Cor 1,19-2,10). Na comunidade de Corinto, vemos as dificuldades da fé cristã em inserir-se num ambiente hostil, marcado por uma cultura pagã e por um conjunto de valores que estão em profunda contradição com a pureza da mensagem evangélica.
O texto que a liturgia nos propõe como segunda leitura deste domingo integra uma secção da carta onde Paulo aborda questões diversas, algumas referentes a questões que os coríntios lhe colocaram (cf. 1 Cor 7,1-11,1), por exemplo, a bondade do matrimónio e do celibato (cf. 1 Cor 7,1-40), ou a licitude de comer a carne dos animais oferecidos aos ídolos nos santuários pagãos (cf. 1 Cor 8,1-13). Mas a secção referida inclui também algumas exortações e avisos… Por exemplo, Paulo exorta os coríntios a não desistirem de “correr” até chegarem à meta e alcançarem o prémio que Deus entregará àqueles que vivem de forma comprometida a existência cristã (cf. 1 Cor 9,1-10,22).
MENSAGEM
Paulo pretende convencer os cristãos de Corinto a esforçarem-se para alcançar a salvação. Depois de lhes apresentar o seu próprio exemplo de corredor de fundo que renova a cada passo o seu esforço até chegar à meta, oferece-lhes um outro exemplo, ainda mais sugestivo: o do Povo de Deus em marcha pelo deserto, a caminho da Terra Prometida. Recorrendo às técnicas midráxicas (um método de comentário à Sagrada Escritura utilizado pelos rabis judaicos onde, frequentemente, se punham em relação factos e figuras do passado com factos e figuras do tempo presente), Paulo convida-os a refletir sobre as suas opções e o seu compromisso com Deus.
Os hebreus, uma vez libertados do cativeiro no Egito, foram todos guiados para a liberdade (vers. 1) por esse Deus que se ocultava na “nuvem” (cf. Ex 13,21-22); e, sob a proteção de Deus, atravessaram todos o mar (cf. Ex 14,15-31)). Receberam todos o “batismo” da “nuvem” (Deus) e da água; e, por esse “batismo”, passaram da terra da escravidão para a terra da liberdade (vers. 2). Mais, alimentaram-se todos do mesmo alimento dado por Deus (o maná – cf. Ex 16,14-21) e beberam todos (vers. 3-4) da mesma água (cf. Ex 17,1-7) saída do rochedo (uma velha lenda rabínica fala do rochedo de onde brotou a água para dessedentar os hebreus como um “rochedo” milagroso, que acompanhou o povo ao longo de todo o caminho; Paulo considera esse “rochedo” um símbolo de Cristo, pré-existente, já presente na caminhada dos hebreus pelo deserto do Sinai). Contudo, isso não assegurou a todos os membros do povo a entrada na Terra Prometida: muitos deles cederam à tentação dos ídolos, afastaram-se de Deus e ficaram pelo caminho (vers. 5).
Os coríntios devem meditar neste exemplo (vers. 6). Eles receberam todos o mesmo batismo (como os hebreus que passaram o mar Vermelho), foram todos ungidos pelo mesmo Espírito (como o povo que viajou sob a proteção do Deus presente na “nuvem”), alimentaram-se todos da mesma eucaristia (como aqueles que, no deserto, comeram o maná e beberam a água do rochedo); mas isso não lhes garante a salvação. Têm de esforçar-se, a cada instante, por seguir Jesus e por levar uma vida coerente com a fé que professam. Não podem ceder à tentação de escolher caminhos errados, contrários ao Evangelho. Aos cristãos de Corinto que se consideravam “fortes”, Paulo avisa: “quem julga estar de pé tome cuidado para não cair”. A autossuficiência, o convencimento, a convicção de que já se assegurou a salvação, fazem com que facilmente nos percamos no caminho que conduz à vida eterna.
INTERPELAÇÕES
- Já bem adentrados neste caminho da Quaresma, somos convidados, a partir da segunda leitura deste domingo, a rever o nosso empenho e o nosso compromisso com o seguimento autêntico de Jesus. Para sermos cristãos, não basta termos o nosso nome no livro de registo de batismos da nossa paróquia; nem basta participarmos rotineiramente na eucaristia dominical, a fim de tranquilizar a consciência e “cumprir o preceito”. Ser cristão autêntico passa por renovar cada dia o compromisso com Jesus e por segui-l’O sem hesitações no caminho do amor e do dom da vida. O tempo da Quaresma pode ser a oportunidade para redescobrirmos o princípio e o fundamento da nossa fé, para eliminarmos os obstáculos que nos impedem de viver com coerência e verdade, para redesenharmos as nossas opções e valores, para nos aproximarmos mais de Deus e do seu amor. Neste tempo favorável de conversão e de renovação, aceitamos esse desafio? O que é que está a impedir-nos de seguir Jesus, de viver ao seu estilo, de caminhar ao ritmo das indicações de Deus? Quais são as escolhas e os valores que precisamos de purificar e, talvez, de redefinir?
- A ideia de que a vivência religiosa se traduz no cumprimento de certos gestos externos, na observância de determinadas regras, ou na participação nos serviços litúrgicos previstos no calendário religioso, pode facilmente fazer-nos cair no autoconvencimento. Uma vez que cumprimos o que está estipulado pela lei e pela tradição, sentimo-nos em regra com Deus; Ele não tem nada a apontar-nos e, portanto, “deve-nos” a salvação. Esquecemos que a salvação não é uma conquista nossa, mas um dom absoluto do amor de Deus. Por outro lado, esse autoconvencimento pode tornar-nos arrogantes com os nossos irmãos. Convictos da nossa autoridade moral, facilmente caímos na tentação de julgar e de condenar as pessoas que não cumprem as regras ou que têm comportamentos e atitudes consideradas religiosamente incorretas. Paulo lembra-nos a nossa fragilidade e convida-nos a tomar um banho de humildade: “quem julga estar de pé, tome cuidado para não cair”. Como é que entendemos a nossa relação com Deus: é como uma troca comercial, na qual cumprimos determinados serviços para obter a paga correspondente? Estamos conscientes de que a salvação é um dom de Deus, fruto exclusivo do seu amor? Reconhecemos a nossa fragilidade e abstemo-nos de julgar e condenar os outros?
ACLAMAÇÃO ANTES DO EVANGELHO – Mt 4,17
Refrão 1: Louvor e glória a Vós, Jesus Cristo Senhor.
Refrão 2: Glória a Vós, Jesus Cristo, Sabedoria do Pai.
Refrão 3: Glória a Vós, Jesus Cristo, Palavra do Pai.
Refrão 4: Glória a Vós, Senhor, Filho do Deus vivo.
Refrão 4: Louvor a Vós, Jesus Cristo, rei da eterna glória.
Refrão 6: Grandes e admiráveis são as vossas obras, Senhor.
Refrão 7: A salvação, a glória e o poder a Jesus Cristo, Nosso Senhor.
Arrependei-vos, diz o Senhor;
está próximo o reino dos Céus.
EVANGELHO – Lucas 13,1-9
Naquele tempo,
vieram contar a Jesus
que Pilatos mandara derramar o sangue de certos galileus,
juntamente com o das vítimas que imolavam.
Jesus respondeu-lhes:
«Julgais que, por terem sofrido tal castigo,
esses galileus eram mais pecadores
do que todos os outros galileus?
Eu digo-vos que não.
E se não vos arrependerdes,
morrereis todos do mesmo modo.
E aqueles dezoito homens,
que a torre de Siloé, ao cair, atingiu e matou?
Julgais que eram mais culpados
do que todos os outros habitantes de Jerusalém?
Eu digo-vos que não.
E se não vos arrependerdes,
morrereis todos de modo semelhante.
Jesus disse então a seguinte parábola:
«Certo homem tinha uma figueira plantada na sua vinha.
Foi procurar os frutos que nela houvesse,
mas não os encontrou.
Disse então ao vinhateiro:
‘Há três anos que venho procurar frutos nesta figueira
e não os encontro.
Deves cortá-la.
Porque há de estar ela a ocupar inutilmente a terra?’
Mas o vinhateiro respondeu-lhe:
‘Senhor, deixa-a ficar ainda este ano,
que eu, entretanto, vou cavar-lhe em volta e deitar-lhe adubo.
Talvez venha a dar frutos.
Se não der, mandá-la-ás cortar no próximo ano».
CONTEXTO
O Evangelho deste domingo situa-nos já no contexto da caminhada de Jesus e dos discípulos para Jerusalém (cf. Lc 9,51-19,28). É uma das secções mais originais do Evangelho segundo Lucas, não tanto pelos materiais que aqui aparecem (que são, em parte, comuns a Mateus), mas pelo enquadramento que Lucas lhes dá: o cenário de uma “viagem” a caminho de Jerusalém.
No Evangelho segundo Lucas, o “caminho” para Jerusalém, mais do que um caminho geográfico, é um caminho espiritual. É uma viagem longa, feita sem pressas, durante a qual Jesus vai instruindo os discípulos, preparando-os para serem testemunhas do Reino de Deus. A cada passo, Jesus aproveita para “formar” os discípulos que o acompanham (mesmo quando as palavras de Jesus se dirigem às multidões, como é o caso do episódio de hoje, são os discípulos que rodeiam Jesus os primeiros destinatários da mensagem); a cada passo Jesus confronta os discípulos com as visões distorcidas que eles têm do projeto de Deus, com os interesses mesquinhos que os movem, com os valores que os animam e que contradizem frequentemente o dinamismo do Reino de Deus. Ao longo do “caminho” os discípulos, guiados por Jesus, são chamados a um processo de purificação que os identifique cada vez mais com o projeto de Jesus e com os valores do Reino.
Esta secção do Evangelho segundo Lucas apresenta caraterísticas especiais: uma parte significativa do material só aparece no Evangelho de Lucas; usam-se frequentemente expressões que falam de caminhada, mas evitam-se as referências geográficas ou topográficas; predominam as parábolas e ditos de Jesus, em detrimento dos “milagres”. Jesus é, ao longo do “caminho”, o “mestre” (“rabi”) que instrui os seus discípulos e que os prepara para viverem segundo a lógica do Reino de Deus.
MENSAGEM
A dado momento do caminho para Jerusalém, pessoas não identificadas trazem a Jesus uma notícia chocante: Pôncio Pilatos, o prefeito romano da Judeia, tinha ordenado o massacre de alguns homens galileus enquanto eles ofereciam sacrifícios (vers. 1). A cena narrada deve ter acontecido em Jerusalém, talvez em contexto de festa da Páscoa. Não se diz quem eram estes galileus, nem porque é que foram mortos. Podia tratar-se de revolucionários ligados ao partido dos zelotes, gente que vivia em contínuo estado de conflito com as tropas romanas de ocupação. Podia tratar-se, também, de um vulgar incidente no Templo, envolvendo peregrinos vindos da Galileia que reagiram a alguma provocação dos soldados romanos acantonados na fortaleza Antónia. Podia tratar-se ainda de alguma revolta espontânea, provocada por alguma decisão polémica das autoridades romanas (a dada altura Pilatos colocou no espaço do Templo imagens de imperadores romanos e retirou fundos do tesouro do Templo para financiar um aqueduto destinado a trazer água à cidade, o que provocou uma revolta dos judeus). O facto é que as tropas romanas, sem respeito pela santidade do lugar, chacinaram os pobres galileus envolvidos.
Porque é que trouxeram esta notícia a Jesus? Seria uma forma de avisar Jesus, o galileu, para ter cuidado e não se meter em atividades subversivas? Seria para tentar obter de Jesus uma condenação formal das forças romanas de ocupação? Seria para mostrar a Jesus a validade da catequese tradicional, segundo a qual as desgraças eram a consequência do pecado? A razão não é clara. Jesus, confrontado com esta notícia trágica, não quis fazer declarações de alcance político. Limitou-se a excluir, de forma taxativa, que a morte daqueles homens resultasse de um castigo de Deus pelos pecados por eles cometidos (vers. 2). Não, aqueles homens que morreram tragicamente não eram mais pecadores do que quaisquer outros; as suas mortes não podiam ser atribuídas a um castigo Deus. Contudo, Jesus aproveitou o momento para deixar um recado mais abrangente àqueles que o rodeavam: “se não vos converterdes, perecereis todos igualmente” (vers. 3). Depois, por sua própria iniciativa e para reforçar a mensagem, Jesus referiu uma outra tragédia: no bairro de Siloé, junto da piscina que abastece de água a cidade, uma torre caiu e matou dezoito pessoas (vers. 4). Mas, também nesse caso, as vítimas da tragédia não encontraram a morte por serem mais merecedoras de castigo do que os outros homens e mulheres de Jerusalém. Aquilo que aconteceu com eles podia ter acontecido com qualquer um; as pessoas envolvidas e que perderam a vida estavam simplesmente no sítio errado à hora errada.
No entendimento de Jesus, embora os factos referidos não estejam diretamente ligados com o pecado das pessoas envolvidas, sugerem uma lição que importa reter… A natureza humana é frágil e precária; a qualquer momento a nossa vida nesta terra pode chegar ao fim e deixar-nos sem mais oportunidades para dar sentido à existência; ninguém sabe quando será a sua hora de partir deste mundo. Convém estar preparado, vigilante, e não deixar coisas para trás. É necessário agarrar as oportunidades de conversão, de mudança de vida; é preciso viver bem, de forma construtiva, enquanto caminhamos nesta terra. Se isso não acontecer, corremos o sério risco de desperdiçar a nossa vida (vers. 5).
Depois, sempre no mesmo sentido e contexto, Jesus contou uma parábola (vers. 6-9) sobre uma figueira, plantada numa vinha. Na Palestina, a figueira produzia frutos duas vezes por ano, na primavera e no outono; no entanto, aquela figueira há vários anos que não produzia qualquer fruto. Convencido de que aquela árvore não servia para nada, o dono da vinha mandou cortá-la: era uma figueira inútil que estava apenas a exaurir a terra. Mas homem que cuidava da vinha – que conhecia cada árvore e cada planta e considerava cada uma delas especial – pediu ao proprietário que tivesse paciência e desse mais um tempo àquela figueira. Garantiu que, entretanto, iria cuidar dela com amor, confiando que os seus cuidados levariam a figueira a responder com os frutos esperados.
Não se tratava de uma parábola inócua. O Antigo Testamento tinha utilizado a figueira como símbolo de Israel (cf. Os 9,10), inclusive como símbolo da falta de resposta do povo à Aliança (cf. Jr 8,13). Israel é essa figueira que não oferece a Deus os frutos que Ele espera. Chegou a altura de eliminar aquela figueira inútil? Deus está disposto a esperar mais algum tempo. Ele é paciente e misericordioso. No entanto, não está disposto a esperar indefinidamente, pactuando com a recusa do seu Povo em acolher a salvação. Israel tem de converter-se, acolher a proposta salvadora que lhe chega através de Jesus e escolher um caminho novo, o caminho que Jesus lhe aponta.
O “aviso” de Jesus não se destina apenas a Israel, a comunidade da antiga Aliança. Destina-se também aos discípulos – quer os que naquele dia caminhavam atrás dele em direção a Jerusalém, quer os discípulos que, no futuro, hão de fazer parte da comunidade de Jesus. Não faz sentido viver uma vida medíocre, virada apenas para os próprios interesses, ocupada somente em assegurar um bem estar egoísta; não é possível viver uma vida agarrado a uma religião estéril, que deixa tudo igual e não leva a uma mudança do coração; não faz sentido praticar um culto que tranquiliza a consciência, mas não produz frutos de justiça, de verdade, de compromisso com a construção de um mundo mais humano; não é possível malbaratar a vida, passando o tempo a correr atrás de valores efémeros. Deus, o proprietário da vinha, o dono da figueira, espera frutos bons por parte daqueles a quem foi dirigida a mensagem do Evangelho. Deus é paciente; mas a conversão é urgente. Não há tempo a perder, pois não sabemos quanto mais tempo teremos à disposição.
INTERPELAÇÕES
- O veemente apelo de Jesus à conversão tem um eco especial neste tempo de Quaresma. A “conversão” não se traduz no simples arrependimento pelas faltas cometidas, ou por uma penitência externa que acalme a nossa consciência culpada; mas implica uma mudança do sentido da nossa vida, de forma a que Deus volte a ser novamente a nossa referência, o princípio e o fundamento do nosso projeto. “Converter-se” é mudar o rumo da nossa vida e “voltar para trás” ao encontro de Deus; “converter-se” é deixar de correr atrás dos nossos interesses egoístas e abraçar o projeto que Deus tem para nós; “converter-se” é livrar-se dos preconceitos mesquinhos, dos julgamentos apressados, das leituras parciais, das condenações sem misericórdia, para passarmos a ver o mundo e os homens com o olhar bondoso de Deus; “converter-se” é abandonar a indiferença e o egoísmo cómodo para “ver” os homens e mulheres condenados a uma vida sem saída e para lhes dar a mão; “converter-se” é rever os valores sobre os quais construímos o nosso projeto de vida e prescindir daquilo que nos faz mal, que nos escraviza, que nos torna menos humanos. Neste tempo de Quaresma, estamos dispostos a fazer esta mudança na nossa vida? Quais são as dimensões, os aspetos, as questões a que daremos prioridade?
- A parábola da figueira sugere que a conversão não é algo que possamos adiar indefinidamente. Deus é paciente e cheio de misericórdia; mas quer de nós respostas concretas e convincentes. Ele não admite que vivamos indecisos ou acomodados ao nosso bem-estar e que não tenhamos a coragem de assumir as opções que podem dar sentido à nossa existência. O tempo da nossa vida é limitado e corre sem nos darmos conta. Se formos adiando, uma e outra vez, as escolhas que se impõem, estaremos a frustrar o plano de Deus para nós e para o mundo e estaremos a passar ao lado da vida. Quanto mais depressa brotar em nós o “Homem novo”, mais depressa encontraremos a nossa realização plena. Podemos permitir-nos isso adiar e perder oportunidades? Estamos conscientes da urgência da conversão?
- Jesus é bastante claro: uma figueira que não produz frutos é uma árvore inútil, que não está a cumprir o seu papel. Não serve para nada. É óbvio que Jesus, através da imagem da figueira, está a falar de nós, a questionar-nos sobre a forma como nós correspondemos aos cuidados de Deus. Nós, que crescemos na “escola de Jesus” e que somos constantemente interpelados pelo Evangelho de Jesus, produzimos, na vida de todos os dias, os frutos saborosos que Deus espera? Os frutos que produzimos contribuem para tornar mais doce o mundo e a vida de todos aqueles que caminham ao nosso lado? O que podemos fazer para dar mais frutos?
- Jesus rejeita categoricamente qualquer relação entre as desgraças que atingem algumas pessoas e um eventual castigo de Deus pelo pecado. Na verdade, considerar que Deus é uma espécie de comerciante, com a contabilidade organizada, que conhece os seus devedores e os castiga pelas suas dívidas, é dar azo a uma grave deformação da imagem e da realidade de Deus. Temos de evitar associar Deus aos males que acontecem no mundo e na vida dos homens. O mal não vem de Deus, mas sim da nossa debilidade, do nosso pecado, da finitude e dos limites deste mundo que está, a cada instante, a construir-se. O que Deus faz é estar ao nosso lado a cada momento, a cuidar das nossas feridas, a apontar-nos o caminho que devemos percorrer para chegar à vida. Como vemos Deus? Consideramo-lo responsável pelas coisas que estragam a nossa vida e desfeiam o mundo?
ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 3.º DOMINGO DA QUARESMA
(adaptadas, em parte, de “Signes d’aujourd’hui”)
- A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
Ao longo dos dias da semana anterior ao 3.º Domingo da Quaresma, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.
- FORMULAÇÃO DAS ORAÇÕES PENITENCIAIS.
«E se não vos arrependerdes, morrereis todos do mesmo modo…» O Evangelho deste domingo põe a questão do pecado e da responsabilidade do homem. Como são formuladas as nossas orações penitenciais? Por vezes ficamos pelo modelo: “Nós fazemos demasiado isto, não fazemos demasiado aquilo… Senhor, tende piedade de nós…”. Parece que estamos na origem de toda a miséria do mundo… Se lermos com atenção as fórmulas do Missal, veremos que se trata, no início da Eucaristia, de confessar, não propriamente as nossas faltas, mas a paciência do Deus de misericórdia.
- ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.
Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.
No final da primeira leitura:
Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob, de Moisés e do Povo no qual nos acolheste, nós Te damos graças e bendizemos o teu Nome que nos revelaste: “Eu sou”. Tu és o Deus vivo, por todos os séculos.
Nós Te confiamos a nossa solidariedade para com todos os povos oprimidos, como outrora a descendência de Abraão no Egipto. Nós sentimo-nos muitas vezes tão impotentes diante da sua infelicidade. Ilumina-nos.
No final da segunda leitura:
Pai, nós Te damos graças pelo teu Filho Jesus. Ele revelou-Se como o novo Moisés, que fez brotar a fonte de água viva do batismo para nos vivificar, comunicando-nos a tua própria vida.
Nós Te confiamos as pessoas que se afastaram de Ti. Não sabemos como as reconduzir para Ti. Ilumina-nos com o teu Espírito.
No final do Evangelho:
Deus paciente, bendito sejas pelos sinais dos tempos através dos quais nos advertes sem cessar e nos chamas a voltarmo-nos para Ti. Nós Te damos graças, porque nos deixas o tempo da conversão.
Nós Te pedimos pelas nossas comunidades e pelas nossas famílias; que o teu Espírito guie os nossos pensamentos, as nossas palavras e os nossos atos, que Ele produza em nós os frutos que Tu esperas.
- BILHETE DE EVANGELHO.
Na mentalidade judaica, todas as doenças e enfermidades eram consequências de um pecado. O Evangelho de hoje confirma esta mentalidade… A morte dos Galileus, diz Jesus, massacrados por ordem de Pilatos, não significa que eles tenham merecido tal destino em razão dos seus pecados. Esta infelicidade tem a ver com a responsabilidade dos homens que são capazes de se matarem. A atualidade apresenta-nos todos os dias situações de vítimas inocentes de atentados e violências, por causa do ódio dos homens. Mas há outras causas dos acidentes, dos sofrimentos de todas as espécies. Não há ligação entre a morte das vítimas e a sua vida moral, diz Jesus no Evangelho. Mas Jesus aproveita para lançar um apelo à conversão. Diante de tantas situações dramáticas que atingem o ser humano, somos convidados a uma maior vigilância sobre nós mesmos. Devem ser uma ocasião para pensarmos na nossa condição humana que terminará, naturalmente, na morte. Recordar a nossa fragilidade deve levar-nos a voltar o nosso ser para Aquele que pode dar verdadeiro sentido à nossa vida. Não se trata de procurar culpabilidades, mas de abrir o nosso coração à vinda do Senhor. Não nos devemos desencorajar diante das nossas esterilidades (figueira estéril…), pois Deus é infinitamente paciente para connosco. Ele sabe da nossa fragilidade, conhece os nossos pecados, mas nunca deixa de ter confiança em nós, até ao fim do nosso caminho. Ele não quer punir-nos, quer fazer-nos viver!
- À ESCUTA DA PALAVRA.
Desde o início da sua pregação, Jesus apela à conversão, o que faz igualmente João Baptista. É mesmo para Jesus uma questão de vida ou de morte. A conversão não é mortífera, ela é fonte de vida, pois faz o homem voltar-se para Deus, que quer que ele viva. O homem é como a figueira plantada no meio de uma vinha: pode ser que, durante anos, não dê frutos… mas Deus, como o vinhateiro, tem paciência e continua a esperar nele. Deus vai mesmo mais longe, dá ao homem os meios para se converter. Jesus não apela somente à conversão, mas propõe ao homem o caminho a empreender para amar Deus e amar os seus irmãos. A paciência de Deus não é uma atitude passiva, mas uma solicitude para que o homem viva. Paciência e confiança estão ligadas: Deus crê no homem, crê que ele pode mudar a sua conduta passada, para se voltar para Aquele de quem se afastou.
- ORAÇÃO EUCARÍSTICA.
A Oração Eucarística IV recapitula bem a história da salvação que é evocada na primeira leitura e que leva à Páscoa de Cristo.
- PALAVRA PARA O CAMINHO…
“Convertei-vos!” Sim, mas eu não roubei, nem matei, levo uma vida honesta… Porque deveria eu converter-me? Precisamente, Cristo quer que sejamos diferentes das pessoas que não têm nada a apontar… Um monge do Oriente compara o crente a uma casa. Se sou um batizado, não somente generoso, mas sem compromisso, então dou a Cristo a chave da porta das traseiras e ele entra na minha casa como íntimo, como Ele quer. Se eu O deixar entrar pela porta da frente, quando outros estão na casa, então ficaremos pelos gestos de delicadeza e pelas conversas de rotina. As questões mais diretas tornar-se-ão impossíveis. É à porta das traseiras que Cristo vem bater. Sobretudo durante os quarenta dias da Quaresma…
UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
PROPOSTA PARA ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA
Grupo Dinamizador:
José Ornelas, Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, Ricardo Freire, António Monteiro
Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
www.dehonianos.org