MEMÓRIAS DE NOSSA HISTÓRIA: PADRE DEHON EM VISITA A SANTA CATARINA (1)
Na piroga – Paraty – Joinville – Na estrada Dona Francisco – São Bento:
P. Lindgens vem ao nosso encontro. Saímos de piroga rumo a Paraty. Cinco horas de viagem. Isto nos lembra o Congo. A piroga é talhada num tronco de árvore. É preciso acocorar-se dentro dela a fim de firmá-la para não balançar. Temos dois remadores. Vagueamos entre duas margens arborizadas como no Congo. Os ramos e os cipós descem até a água.
Quantas orquídeas nas árvores! Quantas belas aves aquáticas! Cegonhas e andorinhas. Nas margens vêm-se cardeais purpúreos. O vento aumenta e nos inquieta; nosso barco é tão rudimentar! Paramos durante uma hora na margem, em Larangeiras (sic), onde há um casebre. Nesse tempo o vento se acalma. Há grandes ilhas na enseada. Nas margens, altos ninhos de cupim. À noite estamos com os nossos em Paraty, ainda na ilha, um lugarejo pobre que espera erguer-se, graças à estação da estrada de ferro que vai haver. Mas seus habitantes trabalham tão pouco! Que irão exportar? Antigamente eram servidos por escravos e não foram habituados ao trabalho. Na costa há caranguejos em abundância; comemos alguns excelentes.
Dia 27/10, parada em Paraty. A igreja é grande e data do século XVIII. Possui, como Iguape, uma imagem muito venerada do Ecce Homo, que os portugueses e brasileiros chamam de Bom Jesus. Esta imagem é objeto de uma peregrinação. Vendem-se cópias bem-acabadas.
As pessoas de destaque vêm visitar-me. Existem ali fortes Irmandades. Foi iniciada a construção de um presbitério, que foi interrompida. O conselho paroquial e as confrarias não se entendem. Nossos padres moram numa casa alugada, bem modesta, onde, às vezes, entram serpentes. Aqui enfeita-se a entrada com plantas e arbustos verdes. O antigo vigário, antes de sair, possuía oito escravos. Os livros de batizados, bem conservados, registram o nascimento e o batismo de crianças nascidas desses escravos.
Dia 28/10, domingo, missas paroquiais às 07,00 e 10,00 hs. O povo vem de longe, a pé ou a cavalo. Uma parte dos homens prefere o cabaré à igreja. Vários repiques de sino, um único carrilhão. Após a missa os doentes vêm pedir uma bênção. Há gente que guardou uma fé viva.
Alugamos uma piroga e estamos à espera da maré. Queremos ir para Joinville e para o interior, São Bento. Muita gente boa assiste com curiosidade nossa partida. O secretário da Irmandade de bom grado quis dar-me as imagens do Bom Jesus. Paraty possui uma agência do correio, com três correspondências postais por mês. Há um funcionário do correio e mais um do telégrafo, com bastante folga.
Partimos ao meio dia. A piroga tem 1,40m de largura. Somos em dois, com nossa bagagem e mais três remadores. A pequena barca está cheia e é preciso ficar agachado sem se mexer durante cinco horas. São viagens no estilo primitivo. Na barca encontramos uma grande aranha venenosa. Ela é peluda, do tamanho da mão: nada mais repugnante. Um pequeno braço de mar nos conduz a Joinville. As margens são arborizadas e interessantes por sua bela vegetação.
Joinville é uma bela colônia, um povoado próspero; boas ruas, casas ricas com sacadas, varandas e jardins. Cultivam-se salgueiros por causa de sua folhagem que dá sombra, e carvalhos como lembrança da Europa. Estes crescem rapidamente e produzem belas folhagem, mas a sua madeira não tem solidez dos carvalhos de nossas florestas.
Circular SCJ – 15 anos de BSP e BRM.