SABERES E SABORES DE RESPONDER E AGIR
O Rei que não Sabia ser Feliz
Era um rei que não sabia ser feliz. Tinha os tesouros mais preciosos, as terras mais férteis e os exércitos mais poderosos. Morava num castelo prateado construído no alto de uma montanha. Mesmo assim, vivia triste, sombrio e amargurado.
Um belo dia, o tal monarca ouviu falar de um ferreiro muito pobre que morava num castelo com a mulher e um casal de filhos. O povo dizia que o sujeito, mesmo miserável e sem ter onde cair morto, vivia sempre risonho e animado. Anunciava e garantia para quem quisesse ouvir que era muito feliz. O rei não quis acreditar.
– Se eu que sou nobre, rico e poderoso vivo aflito, preocupado e cheio de problemas, como é que pode um zé-ninguém, um pé-rapado, um pobre coitado achar que pode ser feliz?
No fundo, o monarca sentiu uma mistura de raiva com dúvida e inveja. E logo teve uma ideia. Montou seu cavalo alazão, foi até a casa do ferreiro, mandou chamar o homem e disse:
– É verdade que você é feliz?
– Sim! – respondeu o ferreiro com os olhos cheios de luz.
– Ah é? – respondeu o rei. – Então, quero ver se você adivinha:
É, o que é: tem no começo da rua, vive na ponta do ar, dobra no meio da terra, morre onde acaba o mar?
O rei explicou que voltaria no dia seguinte. Se o ferreiro não adivinhasse ia para a forca.
– E se eu adivinhar? – perguntou o ferreiro, assustado.
– Se adivinhar, fica tudo por isso mesmo!
Disse isso, deu risada, chicoteou o cavalo e partiu a galope.
Naquela noite, a filha do ferreiro sentiu que o pai estava muito preocupado. Conversa vai, conversa vem, o homem acabou desabafando e contando o que havia acontecido. Confessou que não sabia adivinhar. Achava que no dia seguinte ia morrer na forca. A filha do ferreiro deu risada.
– Mas é tão simples! Aquilo que tem no começo da rua, vive na ponta do ar, dobra no meio da terra e morre onde acaba o mar é a letra R!
No dia seguinte, o ferreiro respondeu a adivinhação e deixou o rei admirado.
– Mas como você adivinhou?
– Não fui eu – respondeu o homem sorrindo. – Foi minha filha!
O rei não se conformou:
– Ah é? Então mata esta: O que é, o que é: agarra, coça e atira, escreve, pinta e inventa, aperta, aponta e dá soco, faz carinho e cumprimenta?
E repetiu o que havia dito da outra vez. Se o ferreiro adivinhasse, ficava tudo por isso mesmo. Se não adivinhasse, forca!
Naquela noite, a filha sentiu que o pai estava, de novo, muito aflito. Conversa vem, conversa vai, o homem acabou contando o que havia acontecido. Disse que não sabia adivinhar. Chorou. Achava que dessa vez ia mesmo morrer na forca. A filha do ferreiro deu risada.
– Mas é tão simples! Aquilo que agarra, coça e atira, escreve, pinta, inventa, aperta, aponta, dá soco, faz carinho e cumprimenta é a mão!
No dia seguinte, o ferreiro respondeu a adivinhação e deixou o monarca com a cara no chão.
– Mas como você adivinhou?
– Não fui eu – respondeu sorrindo. – Foi minha filha!
O rei foi embora pensando:
– Como será a filha do ferreiro?
Chegou no castelo e logo fez um plano. Mandou um criado à casa do ferreiro com um monte de perguntas. Queria dados, detalhes e informações a respeito da moça.
O criado foi. Bateu na porta. Quem atendeu foi a própria filha do ferreiro.
O criado perguntou: Cadê sua mãe?
E a moça: Foi ver quem nunca foi visto.
E o criado: – Cadê seu pai?
E a moça: – Foi mijar pra trás.
E o criado: Cadê seu irmão?
E a moça: – Foi tomar água que passarinho não bebe.
O criado do rei não entendeu nada, despediu-se e foi embora. Quando contou as respostas da filha do ferreiro, o rei ficou admirado:
– Mas é claro como um copo d’água! Se a mãe dela foi ver que nunca foi visto é porque deve ser parteira e foi ajudar uma criança a nascer. Se o pia foi mijar pra trás é porque deve ter desistido de algum negócio.
Se o irmão foi tomar água que passarinho não bebe é porque deve estar bebendo cachaça com os amigos.
O rei era solteiro. Encantado com as respostas da moça, sentiu vontade de conhecê-la melhor. Deu ordens para irem buscá-la imediatamente. Dito e feito. Quando viu a filha do ferreiro em carne e osso, o tal monarca ficou mais encantado ainda. É que a moça era uma fruta preciosa de tão bonita e cheirosa.
O rei, então, pegou-a pelo braço e saiu mostrando os ares, belezas e lugares do castelo. Mas tarde, o casal sentou-se no jardim para trocar ideias e se conhecer melhor. Conversa vem conversa vai, o rei ficou apaixonado de vez. No fim daquele mesmo dia, pediu a mão da moça em casamento.
A filha do ferreiro aceitou e o jovem monarca foi logo mandando preparar a festa, avisar o padre e escrever os convites. Depois, chamou a moça e avisou: – Decidi me casar com você amanhã mesmo! Como vai ser minha mulher, quero que você hoje volte para casa levando de presente a coisa mais valiosa que encontrar no castelo. Pode pegar o que quiser: pedras preciosas, anéis e colares de diamantes ou arcas cheias de moedas de ouro. De agora em diante, tudo o que é meu é seu!
A moça sorriu agradecida. – Prometo escolher uma coisa bem valiosa – disse ela -, mas antes queria tomar um pouco de vinho tinto. Explicou que era para brindar o casamento mas, quando o rei se distraiu, colocou sete gotas de remédio no cálice. Bastou um gole para o monarca ficar zonzo, meio grogue, fechar os olhos e cair desmaiado com um sorriso parado no rosto.
Mais que depressa, a filha do ferreiro chamou os criados, mandou colocar o noivo numa carruagem, disse adeus e levou-o embora.
No dia seguinte, quando o rei acordou, não entendeu nada vezes nada.
– Quem sou eu? Onde estou? O que houve? Como assim? – gritava ele entre zangado e assustado. E depois: – Socorro! Me acudam! Fui sequestrado! Gritou e esperneou mas, olhando melhor, reconheceu o lugar e descobriu que tinha passado a noite na casa do ferreiro.
Foi quando a moça entrou no quarto e explicou tudo: – Você não disse que eu poderia trazer a coisa mais valiosa do castelo? O monarca fez sim com a cabeça. E a filha do ferreiro: – Pois bem. Pra mim, a coisa mais valiosa do castelo é você mesmo! A ouvir aquelas palavras, o rei até inchou de tanta vaidade. Mas a alegria durou pouco. Fazendo cara feia, a moça continuou: – Só caso com você se pedir desculpas a meu pai. Onde já se viu ameaçar de levar alguém pra forca só por causa de um capricho? Não quero saber de marido egoísta e invejoso que só sabe pensar em si mesmo e não liga pra mais ninguém! Quero me casar com um rei que tente melhorar, e não piorar, a vida de seu povo!
Pego de surpresa, o monarca deu o braço a torcer, vestiu a carapuça e reconheceu que tinha errado feio. Chamou o pai da noiva, ajoelhou-se arrependido e pediu perdão.
Dizem que o casamento do rei com a filha do ferreiro foi uma festança cheia de dança, comilança e esperança. Dizem também que só então aquele homem soube o que era ser feliz.
História pra Contar (https://contacausos.com.br/o-rei-que-nao-sabia-ser-feliz/).