CARTA DO SUPERIOR GERAL
Mudar de perspectiva para ver melhor
Carta para 14 de Março,
no aniversário do nascimento do Padre Léon Dehon
Ho Chi Minh, 3 de Março de 2020
Aos membros da Congregação
A todos os membros da Família Dehoniana
Desde alguns anos, valorizamos cada vez mais os assim chamados “Lugares Dehonianos” da Congregação, especialmente La Capelle, onde nasceu o nosso Fundador; Saint-Quentin, onde iniciou a sua vida religiosa, e Bruxelas, testemunha dos últimos anos da sua vida. Atualmente, a comunidade de La Capelle está empenhada no serviço paroquial e no acolhimento às pessoas que visitam a casa da família Dehon; a comunidade de Bruxelas conserva a memória missionária, a colaboração pastoral e o compromisso acadêmico, tão caro ao nosso Fundador; e a comunidade de Saint-Quentin, por sua vez, além de zelar pelo túmulo do Padre Dehon, também desenvolve uma dinâmica atividade apostólica.
Precisamente aqui, no passado mês Janeiro, realizou-se um simples evento da Província da Europa Francófona (EUF), motivado por um acordo de colaboração entre a Província e uma instituição que ajuda pessoas com problemas habitacionais. Na nossa igreja de Saint Martin, celebrámos a Eucaristia, presidida por D. Renauld de Dinechin, Bispo de Soissons, Laon e Saint-Quentin, que expressou o seu apreço pela figura do Padre Dehon e pelos SCJ que tem conhecido.
Um deles é Bernard Masséra, bom conhecedor das pegadas do Fundador naquela região e que acaba de comemorar cinquenta anos de vida religiosa. Tive a oportunidade de percorrer com ele alguns lugares dehonianos da cidade. Enquanto me mostrava a majestosa Basílica de Saint-Quentin, onde o Padre Dehon foi vigário paroquial, contava-me algumas coisas sobre a sua própria vida: “Sabes? Eu também trabalhei aqui… mas na reparação do telhado”. Operário assalariado nas alturas! Outra maneira, sem dúvida, de ver a Basílica, os seus arredores e a própria vocação.
Ele, como muitos dos nossos confrades, conheceu o tempo do inconformismo, e até da contestação, originado pela vontade de transformação da sociedade e da Igreja. Muitos católicos daquela época, inspirados pela voz do Concílio Vaticano II, concretizaram muitas vezes as suas inquietações em compromissos concretos; houve de tudo, sucessos e limitações. Mas o lado bom desse tempo foi a abertura à escuta e ao diálogo com quem vivia a novidade e os anseios de esperança daquela época que, no entanto, não esteve também imune a fracassos, contradições e conflitos.
Hoje, recordando o nascimento do Padre Dehon e a Jornada de Oração pelas Vocações Dehonianas, a partilha de Bernard sobre a sua vida religiosa como operário naquele telhado evoca um mandato de Jesus: “O que ouvis com os ouvidos, proclamai-o sobre os telhados” (Mt 10,27). Não é isto uma exigência do Mestre aos seus discípulos para que mudem de perspectiva? Parece tratar-se de um claro convite para mexer-se e estar disposto a meter-se a descoberto – no telhado! – onde as defesas são poucas, mas, e isto é importante, a visão é boa!
O nosso confrade subiu ao telhado, no alto da cidade, não para ser visto como se vê um artista que sobe ao palco. Fê-lo para partilhar a sua fé com os outros, querendo, assim, atualizar, de um certo modo, uma constante sensibilidade do Padre Dehon: “Cumprir tranquilamente as funções ordinárias do ministério sagrado já não é suficiente. Nós devemos ir à procura das almas. Devemos esforçar-nos para ganhar os homens e especialmente a classe mais numerosa, os operários. Será que nós realmente já começámos?”
Na herança do nosso Fundador, com os limites naturais da pessoa e da cultura, podemos reconhecer uma genuína “escola da perspectiva”. Ele encontrou a melhor: o Coração de Cristo! Com Ele, aprendeu a amar o projeto do Pai e a sair de si mesmo para contemplar a Igreja e a sociedade do seu tempo com autêntica paixão. Foi assim que o Padre Dehon, enraizado na mais cordial das perspectivas possíveis, descobriu um horizonte de rostos a quem amar e reparar. No entanto, essa dinâmica interior e apostólica que o caracterizou, não foi improvisada. Foi o resultado de uma busca intensa e do contínuo discernimento que foram configurando a sua vida: “É um estado de alma que deve formar-se em nós, uma disposição para ir ao encontro dos homens, do povo, utilizando todos os meios disponíveis”.
A memória do nosso Fundador convida-nos a ocupar-nos deste “estado de alma que deve formar-se em nós” (DRD 16/7). Com a sua vida aprendemos que, seja no início seja no fim, devemos acolher permanentemente a ação divina: “Cor Iesu, quid me vis facere? Coração de Jesus, o que queres que eu faça?” (NHV 5/2). Somente com perguntas deste gênero é que a existência pessoal e comunitária é capaz de se manter na dinâmica fecunda do Espírito, que continua a apresentar nos nossos diversos “aqui e agora” tantas realidades para amar e tantas situações onde partilhar a nossa vocação reparadora: “Temos amado suficientemente a sociedade contemporânea de modo a não cultivar uma atitude de mau humor para com ela?”
Bendigamos a Deus pelo dom da vida do Padre Dehon, testemunha apaixonada do Coração de Cristo; agradeçamos também o dom das vocações que, inspiradas por ele, continuam a atualizar o carisma recebido com generosidade criativa – que elas nunca faltem, Senhor! Que este chamamento que compartilhamos nos mantenha inquietos e descentrados daquilo que não corresponde à procura da melhor perspectiva: o Evangelho, porque “o Coração de Jesus, o amor de Jesus, é todo o Evangelho”4.
In Corde Iesu,
Pe. Carlos Luis Suárez Codorniú, scj Superior Geral e seu
Conselho.