SABERES E SABORES DE FRATERNURA
Amor em uma lata de leite
Dois irmãozinhos maltrapilhos, provenientes de uma favela, um deles de cinco anos e o outro de dez, iam pedindo um pouco de comida pelas casas de uma das ruas de São Paulo.
– Estavam famintos!
– Vai trabalhar e não amole, ouvia-se detrás da porta.
– Aqui não tem nada neguinho, dizia outro.
As múltiplas tentativas frustradas entristeciam as crianças. Por fim, uma senhora muito atenta disse-lhes:
– Vou ver se tenho alguma coisa para vocês garotinhos!
E voltou com uma latinha de leite. Que festa! Ambos se sentaram na calçada. O menorzinho disse para o de dez anos:
– Você é mais velho, tome primeiro. E olhava para ele com seus dentes brancos, a boca semiaberta, mexendo a ponta da língua. O irmão mais velho leva a lata à boca e, fazendo gesto de beber, aperta fortemente os lábios para que por eles não penetre uma só gota de leite. Depois, estendendo a lata, diz ao irmão:
– Agora é sua vez. Só um pouco.
E o irmãozinho, dando um grande gole exclama:
– Como está gostoso!
– Agora eu, diz o mais velho. E levando a latinha, já meio vazia, à boca, não bebe nada.
– Agora você, agora eu, agora você, agora eu…
E, depois de três, quatro ou cinco goles, o menorzinho, de cabelo encaracolado, barrigudinho, com a camisa de fora, esgota o leite todo, ele sozinho. E então, aconteceu algo extraordinário. O mais velho começou a cantar, a dançar, a jogar futebol com a lata de leite vazia. Estava radiante, o estômago vazio, mas, o coração trasbordante de alegria. Pulava, com a naturalidade de quem não fez nada de extraordinário, ou melhor, com a naturalidade de quem está habituado a fazer coisas extraordinárias, sem dar-lhes maior importância.
“A arte da vida consiste em fazer da vida uma obra de arte” (Mahatma Gandhi).
Ana Cláudia, Parábolas (https://pt.slideshare.net/aclmoraes/parbolas).