2° Domingo do Advento
Ano B
2° Domingo do Advento
Tema do 2.º Domingo do Advento
A liturgia do segundo domingo de Advento constitui um veemente apelo à conversão, ao reencontro de cada um de nós com Deus. Por sua parte, Deus está sempre disposto a oferecer a todos um mundo novo de liberdade, de justiça e de paz; mas esse mundo só se tornará uma realidade quando cada um aceitar reformar o seu coração, abrindo-o aos valores de Deus.
Na primeira leitura, um profeta anónimo da época do Exílio garante aos exilados a fidelidade de Deus e a sua vontade de conduzir o Povo – através de um caminho fácil e direito – em direção à terra da liberdade e da paz. Ao Povo, por sua vez, é pedido que dispa os seus hábitos de comodismo, de egoísmo e de autossuficiência e aceite, outra vez, confrontar-se com os desafios de Deus.
No Evangelho, João Baptista convida os seus contemporâneos (e, claro, as pessoas de todas as épocas) a acolher o Messias, aquele que traz a Boa Notícia da salvação. A missão do Messias – diz João – será oferecer a todos esse Espírito de Deus que gera vida nova e permite viver numa dinâmica de amor e de liberdade. No entanto, só poderá estar aberto à proposta do Messias quem tiver percorrido um autêntico caminho de conversão, de transformação, de mudança de vida e de mentalidade.
A segunda leitura aponta para a parusia, a segunda vinda de Jesus. Convida-nos à vigilância, isto é, a vivermos dia a dia de acordo com os ensinamentos de Jesus, empenhando-nos na transformação do mundo e na construção do Reino. Se os crentes pautarem a sua vida por esta dinâmica de contínua conversão, encontrarão no final da sua caminhada terrena “os novos céus e a nova terra onde habita a justiça”.
LEITURA I – Isaías 40,1-5.9-11
Consolai, consolai o meu povo, diz o vosso Deus.
Falai ao coração de Jerusalém e dizei-lhe em alta voz
que terminaram os seus trabalhos
e está perdoada a sua culpa,
porque recebeu da mão do Senhor
duplo castigo por todos os seus pecados.
Uma voz clama:
«Preparai no deserto o caminho do Senhor,
abri na estepe uma estrada para o nosso Deus.
Sejam alteados todos os vales
e abatidos os montes e as colinas;
endireitem-se os caminhos tortuosos
e aplanem-se as veredas escarpadas.
Então se manifestará a glória do Senhor
e todo o homem verá a sua magnificência,
porque a boca do Senhor falou».
Sobe ao alto dum monte, arauto de Sião!
Grita com voz forte, arauto de Jerusalém!
Levanta sem temor a tua voz e diz às cidades de Judá:
«Eis o vosso Deus.
O Senhor Deus vem com poder,
o seu braço dominará.
Com Ele vem o seu prémio,
precede-O a sua recompensa.
Como um pastor apascentará o seu rebanho
e reunirá os animais dispersos;
tomará os cordeiros em seus braços,
conduzirá as ovelhas ao seu descanso».
CONTEXTO
Este texto pertence ao “Livro da Consolação” do Deutero-Isaías (cf. Is 40-55), que, provavelmente, cumpriu a sua missão profética na Babilónia, entre os exilados judeus, na fase final do Exílio, entre 550 e 539 a.C. Muitos desses exilados estão frustrados e desorientados, pois ainda não entenderam porque é que Deus permitiu o drama da derrota e do Exílio… Outros, no entanto, estão instalados e acomodados, rendidos a esse admirável mundo novo para o qual foram atirados e já não pensam em regressar à sua terra nem esperam nada de Deus.
Na fase final desta época, as notícias das vitórias de Ciro, o persa, sobre os babilónios fazem esperar um rápido desmoronar do império babilónico e a libertação dos judeus exilados… Mas, se essa libertação chegar – perguntam os exilados – a quem é que deve ser atribuída: a Javé, ou aos deuses persas? Se é a Javé, porque é que Ele escolheu um estrangeiro e não um membro do Povo de Deus para realizar a obra maravilhosa da libertação? No caso de a libertação acontecer, valerá a pena arriscar o regresso e enfrentar as dificuldades do recomeço? Haverá, ainda, um futuro para esse Povo que parece ter sido abandonado por Javé?
O Deutero-Isaías aparece neste contexto. A sua mensagem destina-se a consolar os exilados e a apontar-lhes novas razões para ter esperança. O profeta começa por anunciar a iminência da libertação e por comparar a saída da Babilónia ao antigo êxodo, quando Deus libertou o seu Povo da escravidão do Egipto (cf. Is 40-48)… Na segunda parte do livro, o profeta anuncia a reconstrução de Jerusalém, essa cidade que a guerra reduziu a cinzas, mas à qual Deus vai fazer regressar a alegria e a paz sem fim (cf. Is 49-55).
A primeira leitura deste domingo apresenta-nos, precisamente, o prólogo do “Livro da Consolação”.
MENSAGEM
O profeta é, pois, enviado por Deus a anunciar “ao coração de Jerusalém” que a “consolação” do Senhor está próxima (vers. 1). A imagem do “falar ao coração” sugere a relação de amor entre Javé e o seu Povo, entre o amado e a amada… Deus “fala ao coração” do seu Povo, com amor e ternura, a fim de o consolar.
Em que consiste essa “consolação”? Consiste, em primeiro lugar, no anúncio do perdão de Deus (vers. 2). Os exilados estavam convencidos de que a dolorosa experiência do Exílio era o castigo para os pecados que tinham cometido. Viviam angustiados, afogados em sentimentos de culpa, sentindo-se em transgressão, indignos, pecadores e afastados de Deus. Neste contexto, Deus diz-lhes: o tempo da rutura e do afastamento terminou e chegou o tempo do reencontro, o tempo de refazer a comunhão e a Aliança.
Para expressar esta mensagem de perdão, o profeta utiliza duas imagens. A primeira é uma imagem ligada ao universo militar: o tempo de serviço que o Povo foi obrigado a cumprir já terminou (a palavra utilizada pelo profeta designa com frequência, na língua hebraica, o tempo de vassalagem forçada, ou o tempo obrigatório de serviço no exército). A segunda é uma imagem ligada ao universo cultual: o castigo que o Povo sofreu foi aceite pelo Senhor, como se se tratasse de um sacrifício de expiação (esses sacrifícios de expiação que a liturgia de Israel tão bem conhecia e que serviam para refazer a comunhão com Deus, depois do pecado do Povo).
Ainda neste enquadramento de “consolação”, o autor do texto apresenta uma misteriosa voz que convida a preparar “no deserto o caminho do Senhor”, a abrir “na estepe uma estrada para o nosso Deus” (vers. 3-5). O que é que isto significa?
O tema do deserto leva-nos, evidentemente, ao Êxodo… Recorda esse acontecimento fundamental da história e da fé de Israel que foi a libertação do Egipto e a viagem da terra da escravidão para a terra da liberdade. Ao longo desse caminho, o Povo fez uma experiência que marcou o seu destino e a sua identidade: descobriu Deus e comprometeu-se com Ele numa Aliança, amadureceu e consolidou a sua fé, passou de uma mentalidade de egoísmo e de escravidão para uma mentalidade de comunhão, de solidariedade e de liberdade.
No contexto do Exílio, a referência ao caminho pelo deserto sugere claramente que Deus prepara um Novo Êxodo para o seu Povo. O profeta anuncia aos exilados que Deus vai traçar um caminho fácil, direito, glorioso, triunfal, pelo qual eles irão passar da terra da escravidão à terra da liberdade, numa espécie de “reedição melhorada” do antigo Êxodo. Trata-se de um “caminho” geográfico, ou de um caminho espiritual? Provavelmente, o profeta não distingue uma coisa da outra… Ele quererá dizer aos exilados que Deus vai tornar fácil esse percurso geográfico que eles devem percorrer, alimentando-os, salvando-os dos perigos, ajudando-os a vencer a fadiga da caminhada (como fez outrora com aqueles que saíram do Egito); mas, sobretudo, o profeta está a sugerir aos exilados que Deus lhes vai oferecer, outra vez, a possibilidade de uma “caminhada espiritual”, durante a qual eles poderão fazer uma nova experiência do amor e da bondade de Deus e redescobrir os caminhos da comunhão e da Aliança. Naturalmente, é preciso que os exilados preparem o espírito para acolher esta nova possibilidade que Deus oferece, aceitem confiar em Deus, acolham o desafio de retornar à Aliança, se manifestem disponíveis para renunciar à escravidão e abraçar a liberdade.
Na terceira parte, o texto coloca-nos diante de uma nova cena… Um “mensageiro eleva a sua voz sobre uma alta montanha e proclama uma “boa notícia” a Jerusalém e às outras cidades de Judá: o Deus poderoso do Êxodo (“vem com poder, o seu braço dominará”) conduz pessoalmente o seu Povo de regresso à Terra Prometida… Ele é o Pastor que reúne o seu rebanho, que o apascenta, que cuida das ovelhas mais frágeis e as conduz “ao seu descanso”, que oferece de novo ao seu Povo a vida e a fecundidade. A referência às ovelhas mais fracas e às ovelhas recém-nascidas (objeto de um especial cuidado de Deus, o Pastor) sublinha o amor, a ternura e a solicitude de Javé pelo seu Povo. Trata-se, sem dúvida, de uma mensagem de “consolação” destinada a acordar nos exilados a fé e a esperança.
INTERPELAÇÕES
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Hoje, sentimo-nos impotentes e frustrados porque a violência, a guerra e o terrorismo mancham a história humana com sangue e sofrimento, ou porque os pobres e os fracos são esquecidos e colocados à margem da história, ou porque a sociedade global se constrói com egoísmo, com indiferença e com exclusão… O profeta garante-nos que Deus – esse Deus que é eternamente fiel aos compromissos que assumiu para com os seus filhos – não está alheado da nossa história; assegura-nos que Deus, no nosso tempo, no séc. XXI, continua a vir ao nosso encontro e a oferecer-Se para nos conduzir, com amor e solicitude, à Vida verdadeira.
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A mensagem do profeta é particularmente questionadora para esses exilados que já não pensavam em regressar à sua terra nem se esforçavam minimamente por escutar os apelos e os desafios de Deus. Instalados e acomodados, eles haviam perdido a capacidade de arriscar e a vontade de começar um novo caminho com Deus. A mesma mensagem interpela, hoje, todos os homens e mulheres que vivem instalados nos seus espaços seguros e protegidos, ou resignados a uma vida banal, vazia, cinzenta, insípida, ou acomodados a uma religião que se esgota em práticas rituais estéreis… e convida-os a abrir o coração à novidade de Deus. É preciso correr riscos, aceitar despojar-se do egoísmo, do comodismo, do materialismo, da escravidão dos bens e dos preconceitos para percorrer, com Deus, esse caminho de regresso a uma vida nova e desafiante, mais humana, mais plena e mais feliz.
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Em concreto, o que é que nos impede de percorrer o caminho que Deus nos propõe e de nascer para uma vida mais livre e mais realizada? Os bens materiais? A posição social? O comodismo? O medo? O Advento é o tempo favorável para limparmos os caminhos da nossa vida, de forma a que Deus possa nascer em nós, transformar-nos e, através de nós, libertar o mundo… Quais são os vales que precisam de ser alteados, os montes que precisam de ser abatidos, os caminhos que precisam de ser endireitados para que Deus possa vir encontrar-se connosco e recriar o nosso coração?
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É através dos seus mensageiros que Deus continua a oferecer ao mundo e aos homens a vida, a esperança, a liberdade, a salvação. Ora, o testemunho profético é algo inerente à nossa condição de batizados. Sentimo-nos sinais vivos de Deus e testemunhas da sua proposta libertadora diante dos nossos irmãos, ou ficamos paralisados pelo medo de agir, pelo conformismo ou pelo “sempre foi assim”?
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 84 (85)
Refrão 1: Mostrai-nos o vosso amor e dai-nos a vossa salvação.
Refrão 2: Mostrai-nos, Senhor, a vossa misericórdia.
Escutemos o que diz o Senhor:
Deus fala de paz ao seu povo e aos seus fiéis.
A sua salvação está perto dos que O temem
e a sua glória habitará na nossa terra.
Encontraram-se a misericórdia e a fidelidade,
abraçaram-se a paz e a justiça.
A fidelidade vai germinar da terra
e a justiça descerá do Céu.
O Senhor dará ainda o que é bom
e a nossa terra produzirá os seus frutos.
A justiça caminhará à sua frente
e a paz seguirá os seus passos.
LEITURA II – 2 Pedro 3,8-14
Há uma coisa, caríssimos, que não deveis esquecer:
um dia diante do Senhor é como mil anos
e mil anos como um dia.
O Senhor não tardará em cumprir a sua promessa,
como pensam alguns.
Mas usa de paciência para convosco
e não quer que ninguém pereça,
mas que todos possam arrepender-se.
Entretanto, o dia do Senhor virá como um ladrão:
nesse dia, os céus desaparecerão com fragor,
os elementos dissolver-se-ão nas chamas
e a terra será consumida com todas as obras que nela existem.
Uma vez que todas as coisas serão assim dissolvidas,
como deve ser santa a vossa vida e grande a vossa piedade,
esperando e apressando a vinda do dia de Deus,
em que os céus se dissolverão em chamas
e os elementos se fundirão no ardor do fogo!
Nós esperamos, segundo a promessa do Senhor,
os novos céus e a nova terra,
onde habitará a justiça.
Portanto, caríssimos, enquanto esperais tudo isto,
empenhai-vos, sem pecado nem motivo algum de censura,
para que o Senhor vos encontre na paz.
CONTEXTO
A Segunda Carta de Pedro apresenta todas as características de uma “carta testamento”, como se o autor, sentindo aproximar-se a morte, quisesse transmitir uma última e decisiva mensagem a um grupo de pessoas a quem se sente particularmente ligado.
Em concreto, o autor da Segunda Carta de Pedro dirige o seu “testamento” aos irmãos da sua comunidade cristã e convida-os a conservarem-se fiéis aos ensinamentos recebidos, evitando deixarem-se confundir pelas doutrinas dos alguns falsos mestres. Os crentes devem esforçar-se por preparar adequadamente a segunda vinda de Jesus Cristo, sem se deixarem manipular por doutrinas contrárias ao Evangelho e ao ensinamento recebido da tradição apostólica.
O autor apresenta-se a si próprio como Simão Pedro, servidor e apóstolo de Jesus Cristo (cf. 2 Pe 1,1), testemunha da transfiguração (cf. 2 Pe 1,16); no entanto, é praticamente consensual entre os estudiosos da Bíblia que este escrito é bem posterior ao apóstolo Pedro. Tudo indica que o autor desta carta não pertenceu à primeira geração cristã; contudo, é um judeo-cristão com sólida formação helénica e que conhece bem a vida e a catequese do apóstolo Pedro. Em geral, a redação desta carta situa-se no final do séc. I ou inícios do séc. II.
MENSAGEM
O texto que nos é proposto apresenta duas partes, embora estreitamente ligadas uma à outra pelo tema da parusia (a “segunda vinda” do Senhor Jesus, no final dos tempos): a primeira integra uma reflexão (cf. 2 Pe 3,1-10) sobre o “dia do Senhor”; a segunda assume a forma de uma exortação (cf. 2 Pe 3,11-16) aos cristãos no sentido de levarem uma vida santa.
Os cristãos dos primeiros tempos estavam convencidos da iminência da chegada de Jesus para eliminar definitivamente o mal e para instaurar definitivamente o Reino de Deus. No entanto, o tempo passava e a segunda vinda do Senhor não acontecia. Os crentes estavam dececionados e eram objeto da irrisão dos adversários. É neste contexto que a leitura de hoje nos situa. O autor explica sumariamente aos membros da sua comunidade cristã as razões pelas quais o Senhor ainda não veio: a primeira é que Deus não está dependente do tempo, como nós que vivemos na história (“um dia diante do Senhor é como mil anos e mil anos como um dia” – vers. 8); a segunda é que Deus é paciente e pretende prorrogar o tempo da história para dar a todos a oportunidade de acolherem a salvação que Ele oferece (vers. 9). De resto, não é possível definir o momento exato da segunda vinda de Jesus: será algo inesperado e surpreendente, que os crentes devem esperar vigilantes e preparados.
O que é que significa estar vigilante e preparado? O autor responde a esta questão na segunda parte do texto (vers. 11-14). Os crentes devem viver uma vida consentânea com a vocação a que foram chamados – isto é, uma vida irrepreensível, “santa”, dedicada ao serviço de Deus, cheia de “piedade”, “sem pecado nem motivo algum de censura”. Essa conduta apressará, na opinião do autor da carta, a segunda vinda do Senhor e, consequentemente, a concretização da promessa desses “novos céus e nova terra onde habitará a justiça”.
INTERPELAÇÕES
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Convictos de que Deus tem um projeto de salvação e de vida para cada pessoa, acreditamos que esse projeto está a realizar-se continuamente em nós, até à sua concretização plena, quando nos encontrarmos definitivamente com Deus. A nossa vida presente não é um drama absurdo, sem sentido e sem finalidade, que se desenrola num “vale de lágrimas” sem saída; mas é uma caminhada tranquila, alegre, esperançosa em direção a esse desabrochar pleno, a essa vida total em que se revelará o Homem Novo. Nós somos homens e mulheres de esperança! É esse o testemunho que damos ao mundo e aos nossos irmãos?
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A questão fundamental que os cristãos devem pôr, a propósito da segunda vinda do Senhor, não é a questão da data, mas é a questão de como esperar e preparar esse momento. O autor do texto deixa claro que o que é preciso é estar vigilante. “Estar vigilante” não significa ficar a olhar para o céu à espera do Senhor, esquecendo e negligenciando as questões do mundo e os problemas das pessoas; mas significa viver, no dia a dia, de acordo com os ensinamentos de Jesus, empenhando-se na transformação do mundo e na construção do Reino.
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A certeza da segunda vinda do Senhor dá aos crentes uma perspetiva diferente da vida, do seu sentido e da sua finalidade. Para os não crentes, a vida encerra-se dentro dos limites estreitos deste mundo; por isso, só lhes interessam os valores imediatos e fátuos que tornam mais cómodos os dias passados nesta terra. Para os crentes, no entanto, a verdadeira vida, a vida em plenitude, está para além dos horizontes da história; por isso, eles procuram viver de acordo com os valores eternos, os valores de Deus. Assim, na perspetiva dos crentes, não são os valores efémeros, os valores deste mundo (o dinheiro, o poder, os êxitos humanos) que devem constituir a prioridade e que devem dominar a existência, mas sim os valores de Deus. Quais são os valores que eu considero prioritários e que condicionam as minhas opções?
ALELUIA – Lc 3,4.6
Aleluia. Aleluia. Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas
e toda a criatura verá a salvação de Deus.
EVANGELHO – Marcos 1,1-8
Princípio do Evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus.
Está escrito no profeta Isaías:
«Vou enviar à tua frente o meu mensageiro,
que preparará o teu caminho.
Uma voz clama no deserto:
‘Preparai o caminho do Senhor,
endireitai as suas veredas’».
Apareceu João Baptista no deserto
a proclamar um batismo de penitência
para remissão dos pecados.
Acorria a ele toda a gente da região da Judeia
e todos os habitantes de Jerusalém
e eram batizados por ele no rio Jordão,
confessando os seus pecados.
João vestia-se de pelos de camelo,
com um cinto de cabedal em volta dos rins,
e alimentava-se de gafanhotos e mel silvestre.
E, na sua pregação, dizia:
«Vai chegar depois de mim quem é mais forte do que eu,
diante do qual eu não sou digno de me inclinar
para desatar as correias das suas sandálias.
Eu batizo-vos na água,
mas Ele batizar-vos-á no Espírito Santo».
CONTEXTO
O Evangelho segundo Marcos parece ter sido o primeiro dos Evangelhos a ser redigido, certamente antes do ano 70. A crítica do texto sugere que se trata de uma obra destinada a uma comunidade maioritariamente composta por cristãos vindos diretamente do paganismo, provavelmente a comunidade cristã de Roma.
Por volta do ano 66, o imperador Nero planeou uma terrível perseguição contra os cristãos da capital do império. Pedro e Paulo foram mortos nesta altura, juntamente com um número considerável de outros cristãos. Neste contexto adverso, muitos dos membros da comunidade cristã de Roma viam a sua fé abalada e vacilavam no seu compromisso. Marcos, que conhecia bem esta realidade, queria ajudar os seus irmãos na fé. Ele achava que lhes seria menos difícil enfrentar a perseguição se tivessem presente, de forma clara, a identidade de Jesus. Por isso escreveu o seu evangelho. No frontispício colocou uma confissão que irá desenvolver longamente nos capítulos seguintes: Jesus, o Messias, é o Filho de Deus. Essa é a Boa Notícia que deve sustentar os cristãos de Roma, perseguidos por causa da sua fé em Jesus.
Depois de dizer ao que veio, Marcos passa imediatamente a desenhar o cenário para a entrada de Jesus na história dos homens… E coloca-nos frente a frente com um profeta independente e pouco ortodoxo chamado João, designado por toda a gente como o Batista. João era de família sacerdotal mas, aparentemente, nunca exerceu o sacerdócio. A dada altura da sua vida, rompeu com o Templo e com o aparato religioso a ele ligado e instalou-se nas franjas do deserto de Judá, junto do rio Jordão. Considerava-se um homem de Deus, enviado a Israel com uma missão. Na sua análise, o Povo de Deus estava profundamente afetado pelo pecado e precisava de uma conversão radical. Só essa transformação permitiria que Israel fosse de novo a comunidade do Povo santo de Deus. Estamos no final do ano 27 ou no início do ano 28. A catequese cristã posterior sempre viu neste João o precursor de Jesus.
MENSAGEM
O corpo central do texto apresenta-nos a missão de João Baptista (vers. 2-3), a sua pregação (vers. 4), a reação dos ouvintes (vers. 5), o seu estilo de vida (vers. 6) e o testemunho de João sobre Jesus (vers. 7-8).
Qual é a missão de João? De acordo com o texto, é ser o “mensageiro” que prepara o caminho para o “Messias”, “Filho de Deus” (vers. 2). A propósito da apresentação da missão de João, o autor apresenta uma citação que atribui ao Profeta Isaías mas que é, na realidade, um conjunto de afirmações retiradas do Êxodo (cf. Ex 23,20), de Isaías (cf. Is 40,3) e de Malaquias (cf. Mal 3,1): “Vou enviar à tua frente o meu mensageiro, que preparará o teu caminho. Uma voz clama no deserto: Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas”. A acumulação de citações tiradas da Tora e dos Profetas sugere que João é esse mensageiro de Deus do qual falavam as promessas antigas, e que devia vir anunciar e preparar o Povo de Deus para acolher a intervenção definitiva de Javé na história humana.
Em que consistia a pregação de João? Ele “apareceu no deserto a proclamar um batismo de penitência para remissão dos pecados” (vers. 4). De acordo com a catequese judaica, o Messias só chegaria quando Israel fosse, na verdade, a comunidade santa de Deus. Antes de o Messias chegar, o Povo devia, portanto, realizar um caminho de purificação e de conversão, de forma a tornar-se um Povo santo. O “batismo de penitência” (literalmente, “batismo de conversão” – ou de “metanoia”) proposto por João deve ser entendido neste contexto e representa um convite à mudança radical de vida, de comportamento, de mentalidade.
Na verdade, este “batismo” proposto por João não era uma novidade insólita. O judaísmo conhecia ritos diversos de imersão na água. Era, inclusive, um rito usado na integração dos “prosélitos” (os pagãos que aderiam ao judaísmo) na comunidade do Povo de Deus. Na perspetiva de João, provavelmente este “batismo” é um rito de iniciação à comunidade messiânica: quem aceitava este “batismo” passava a viver uma vida nova e aceitava integrar a comunidade do Messias.
A pregação de João é feita “no deserto”. O “deserto” é, no contexto da catequese judaica, o lugar onde o Povo de Deus realizou uma caminhada de purificação e de conversão. Foi no deserto que os israelitas libertados do Egipto passaram de uma mentalidade de escravos a uma mentalidade de homens livres, de uma mentalidade de egoísmo a uma mentalidade de partilha, de uma atitude descomprometida a uma Aliança com Javé, da desconfiança em relação à proposta libertadora que Moisés lhes apresentou à confiança total num Deus que cumpre as suas promessas e que é fonte de vida e de liberdade para o seu Povo. A pregação de João lembrava aos israelitas a necessidade de voltar ao “deserto” e de percorrer um caminho semelhante àquele que os antepassados tinham percorrido.
Como é que os interlocutores de João reagiam às suas propostas? Marcos diz que “acorria a Ele toda a gente da região da Judeia e todos os habitantes de Jerusalém” para serem batizados, confessando os seus pecados (vers. 5). A afirmação de que “toda a gente” acorria ao apelo de João parece manifestamente exagerada… Ao apresentar esta perspetiva ideal da forma como a mensagem foi acolhida pelo Povo, Marcos está, provavelmente, a sugerir o carácter decisivo e determinante da proposta que João faz: não é “mais um” convite à conversão, mas é o último e definitivo apelo de Deus ao seu Povo.
João “vestia-se de pelos de camelo, com um cinto de cabedal em volta dos rins e alimentava-se de gafanhotos e de mel silvestre”. O estilo de vida de João – sóbrio, desprendido, austero, simples – é um convite claro à renúncia aos valores do mundo. É a aplicação prática dessa austeridade de vida e dessa renovação de atitudes, de comportamentos e de mentalidade que João pede aos seus conterrâneos. O estilo de vida de João corrobora a mensagem que ele apresenta.
Além disso, o estilo de vida de João evoca o profeta Elias que, de acordo com 2 Re 1,8, se vestia “de peles” e “trazia um cinto de couro em volta dos rins”. O profeta Elias era, no universo da esperança judaica, o profeta elevado para junto de Deus e destinado a aparecer de novo no meio dos homens para anunciar a chegada iminente da era messiânica (cf. Mal 3,22-24). A identificação física de João com Elias significa que a era messiânica chegou e que João é o mensageiro esperado, cuja mensagem prepara a chegada do Messias libertador.
O que é que João diz sobre esse Messias libertador, do qual ele é o arauto e o mensageiro? João fala da “força” do Messias e define a sua missão como “batizar no Espírito”. Tanto a fortaleza como o dom do Espírito são prerrogativas do Messias, segundo a catequese profética (cf. Is 9,6; 11,2). O Messias terá, portanto, a força de Deus e a sua missão será comunicar esse Espírito de Deus, que transforma, renova e recria os corações dos homens.
INTERPELAÇÕES
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Jesus, aquele “menino” que Deus envia ao nosso encontro (e que é o Messias, o Filho de Deus), traz-nos a “Boa Notícia” da salvação. Ele vem ter connosco para nos oferecer a libertação, a alegria, a vitória sobre os medos, a paz; ele vem para nos ajudar a construir uma vida mais humana, mais digna, mais feliz. Estamos disponíveis para o acolher e para iniciar, com Ele, um caminho novo?
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João, o Batista, aquele que Deus enviou para nos ajudar a preparar a chegada de Jesus, afirma claramente que preparar a vinda do Messias passa por uma “metanoia”, isto é, por uma transformação total da pessoa, por uma outra escala de valores, por uma radical mudança de pensamento, por uma postura vital inteiramente nova, por um movimento radical que leve a pessoa a reequacionar a sua vida e a colocar Deus no centro da sua existência e dos seus interesses. Neste tempo de Advento, de preparação para a celebração do Natal do Senhor, trata-se de uma proposta com sentido: preparar a vinda de Jesus exige de nós uma transformação radical da nossa vida, dos nossos valores, da nossa mentalidade… Em concreto, o que é que nos meus pensamentos, nos meus comportamentos, na minha mentalidade, nos valores que cultivo, impede o nascimento de Jesus no meu coração e na minha vida?
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Deus convida cada pessoa à transformação e à mudança através desses profetas a quem chama e a quem confia a missão de questionar o mundo e os homens. Estamos suficientemente atentos aos profetas que questionam o nosso estilo de vida e os nossos valores? Damos crédito às suas interpelações, ou consideramo-los figuras incomodativas, ultrapassadas e dispensáveis? E nós, constituídos profetas desde o nosso batismo, sentimo-nos enviados por Deus a interpelar e a questionar o mundo e os nossos irmãos?
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O “estilo de vida” de João constitui uma interpelação pelo menos tão forte como as suas palavras. É o testemunho vivo de um homem que está consciente das prioridades e não dá importância aos aspetos secundários da vida – como sejam a roupa “de marca” ou o excessivo cuidado da alimentação. A nossa vida também está marcada por valores, nos quais apostamos e à volta dos quais construímos toda a nossa existência… Quais são os valores fundamentais para mim, os valores que marcam as minhas decisões e opções? São valores importantes, decisivos, eternos, capazes de me proporcionar Vida plena, ou são valores efémeros, particulares, egoístas e geradores de dependência e escravidão? Como nos situamos frente a valores e a um estilo de vida que contradiz os valores do Evangelho?
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Ao acentuar o carácter decisivo e determinante do apelo de João, Marcos convida-nos a uma resposta objetiva, franca, clara e decidida à proposta de salvação que nos é feita. Não podemos resguardar-nos eternamente no nosso espaço de conforto, ou esconder-nos indefinidamente atrás das nossas seguranças… Estamos dispostos a dizer “sim” aos apelos de Deus? Estamos disponíveis para aceitar a sua proposta de “metanoia”? Estamos decididos a renunciar ao comodismo que nos paralisa, ao egoísmo que nos impede de sair de nós próprios, à autossuficiência que nos torna estéreis? Ousaremos ir atrás de Jesus e embarcar com Ele na aventura do Reino?