Epifania do Senhor
Ano B
Solenidade da Epifania do Senhor
Tema da Solenidade da Epifania do Senhor
A liturgia deste dia celebra a manifestação de Jesus a todos os homens… O Menino do presépio é uma “luz” que se acende na noite do mundo e atrai a si todos os povos da terra. Essa “luz” encarnou na nossa história e no nosso mundo, iluminou os caminhos dos homens, conduziu-os ao encontro da salvação e da vida definitiva.
A primeira leitura anuncia a Jerusalém a chegada da luz salvadora de Deus. Essa luz transfigurará o rosto da cidade, iluminará o regresso a casa dos exilados na Babilónia e atrairá à cidade de Deus povos de todo o mundo.
No Evangelho, vemos a concretização dessa promessa: ao encontro de Jesus vêm uns “magos” do oriente, que representam todos os povos da terra… Atentos aos sinais da chegada do Messias, esses “magos” procuram-n’O com esperança até O encontrar, reconhecem n’Ele a “salvação de Deus” e aceitam-n’O como “o Senhor”. A salvação rejeitada pelos habitantes de Jerusalém torna-se agora um dom que Deus oferece a todos os homens, sem exceção.
A segunda leitura apresenta o projeto salvador de Deus como uma realidade que vai atingir toda a humanidade, juntando judeus e pagãos numa mesma comunidade de irmãos – a comunidade de Jesus.
LEITURA I – Isaías 60,1-6
Levanta-te e resplandece, Jerusalém,
porque chegou a tua luz
e brilha sobre ti a glória do Senhor.
Vê como a noite cobre a terra,
e a escuridão os povos.
Mas sobre ti levanta-Se o Senhor,
e a sua glória te ilumina.
As nações caminharão à tua luz,
e os reis ao esplendor da tua aurora.
Olha ao redor e vê:
todos se reúnem e vêm ao teu encontro;
os teus filhos vão chegar de longe
e as tuas filhas são trazidas nos braços.
Quando o vires ficarás radiante,
palpitará e dilatar-se-á o teu coração,
pois a ti afluirão os tesouros do mar,
a ti virão ter as riquezas das nações.
Invadir-te-á uma multidão de camelos,
de dromedários de Madiã e Efá.
Virão todos os de Sabá,
trazendo ouro e incenso
e proclamando as glórias do Senhor.
CONTEXTO
Os capítulos 56-66 do Livro de Isaías apresentam um conjunto de profecias cuja proveniência não é, entre os estudiosos da Bíblia, totalmente consensual… Para alguns, são textos de um profeta anónimo, pós-exílico, que exerceu o seu ministério em Jerusalém após o regresso dos exilados da Babilónia, nos anos 537/520 a.C.; para a maioria, trata-se de textos que provêm de diversos autores pós-exílicos e que foram redigidos ao longo de um arco de tempo relativamente longo (provavelmente, entre os sécs. VI e V a.C.).
Em geral, estas profecias situam-nos em Jerusalém, a cidade que os Babilónios deixaram em ruínas, em 586 a.C., e que agora começa a reerguer-se. As marcas do passado ainda se notam nas pedras calcinadas da cidade; os filhos e filhas de Jerusalém que regressaram do exílio na Babilónia são ainda em número reduzido; a pobreza geral obriga a que a reconstrução seja lenta e muito modesta; os inimigos estão à espreita e a população está desanimada… Sonha-se, no entanto, com o dia em que Deus vai voltar à sua cidade para trazer a salvação definitiva ao seu Povo. Então, Jerusalém voltará a ser uma cidade bela e harmoniosa, o Templo será reconstruído e Deus habitará para sempre no meio do seu Povo.
O texto que nos é proposto é uma glorificação de Jerusalém, a cidade da luz, a “cidade dos dois sóis” (o sol nascente e o sol poente: pela sua situação geográfica, no alto das montanhas da Judeia, a cidade é iluminada desde o nascer do dia, até ao pôr do sol).
MENSAGEM
É de noite. Jerusalém está mergulhada na obscuridade. Mas, de repente, soa o grito da sentinela, anunciando a aurora. O sol aparece atrás das montanhas, a oriente, e ilumina as pedras brancas das casas. A cidade está em reconstrução, mas parece transfigurada pela luz matutina. É como se Jerusalém tivesse tirado os seus vestidos negros de viúva e se vestisse de branco. Parece, agora, uma noiva preparada para acolher o seu amado.
O profeta/poeta que contemplou esta transformação sente-se inspirado pelo que viu. E sonha… Sonha com uma Jerusalém nova, iluminada pela luz salvadora de Deus. Quando a luz de Deus se levantar sobre Jerusalém e a iluminar novamente, a cidade que parecia uma viúva triste, sem marido (porque Deus já não reside no Templo, destruído e queimado) e abandonada pelos filhos (exilados na Babilónia), irá vestir-se-á de alegria, como uma jovem resplandecente no seu vestido de noiva e adornada com joias belíssimas. Os filhos, exilados numa terra estrangeira, irão regressar em triunfo (“trazidos nos braços”), devolvendo a alegria e a vida à cidade. Mas a luz salvadora de Deus que brilha sobre Jerusalém fará ainda mais: atrairá homens e mulheres de todas as raças e nações, que convergirão para Jerusalém, inundando-a de riquezas (nomeadamente o incenso, para o serviço do Templo) e cantando os louvores de Deus.
Este anúncio profético acende a esperança nos corações cansados e abatidos dos exilados. Todos ficarão à espera do dia supremamente festivo em que começará a brilhar essa “luz” salvadora e transformadora. O evangelista Mateus liga esta profecia à chegada de Jesus.
INTERPELAÇÕES
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É bela esta imagem de Deus como uma luz que se acende nas nossas vidas e nas nossas cidades, iluminando os caminhos que temos de percorrer, aquecendo os nossos corações cansados e abatidos e transformando o nosso pessimismo e derrotismo em esperança e vida nova. Às vezes temos a sensação de que este mundo onde peregrinamos se tornou um lugar sombrio e triste, onde o ódio pode mais do que o amor, a guerra se impõe aos esforços pela paz, o egoísmo é mais apreciado do que a comunhão… Mas a verdade é que, quando parecemos perdidos em becos sem saída, a luz de Deus vem iluminar o mapa dos caminhos que devemos andar para encontrar Vida. Não vivamos de olhos postos no chão, afogados numa escuridão que nos rouba a esperança; ousemos, mesmo em momentos complicados da história do mundo e da nossa história pessoal, levantar os olhos e perceber a presença desse Deus que nunca desistirá de iluminar todos os passos do nosso caminho rumo à Vida.
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Podemos, naturalmente, ligar a chegada da “luz” salvadora de Deus a Jerusalém (anunciada pelo profeta) com o nascimento de Jesus. O projeto de libertação que Jesus veio apresentar aos homens será a luz que vence as trevas do pecado e da opressão e que dá ao mundo um rosto mais brilhante de vida e de esperança. Reconhecemos em Jesus a “luz” libertadora de Deus? Estamos dispostos a aceitar que essa “luz” nos fale, nos aponte caminhos de vida nova e nos liberte das trevas do egoísmo, do orgulho e do pecado? Estamos disponíveis para dar testemunho dessa luz junto dos irmãos que compartilham o caminho connosco?
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Na catequese cristã dos primeiros tempos, esta Jerusalém nova, que já “não necessita de sol nem de lua para a iluminar, porque é iluminada pela glória de Deus”, é a Igreja – a comunidade dos que aderiram a Jesus e acolheram a luz salvadora que Ele veio trazer (cf. Ap 21,10-14.23-25). Será que nas nossas comunidades cristãs e religiosas brilha a luz libertadora de Jesus? Elas são, pelo seu brilho, uma luz que atrai os homens? As nossas desavenças e conflitos, a nossa falta de amor e de partilha, os nossos ciúmes e rivalidades, a nossa passividade e conformismo não contribuirão para embaciar o brilho dessa luz de Deus que devíamos refletir?
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Será que na nossa comunidade cristã há espaço e voz para todos os que buscam a luz libertadora de Deus? Os irmãos cuja vida é considerada irregular ou pouco condizente com a visão oficial são acolhidos, respeitados e amados? As diferenças próprias da diversidade de culturas são vistas como uma riqueza que importa preservar, ou são rejeitadas porque ameaçam a uniformidade? A nossa comunidade cristã é o “hospital” onde “todos, todos, todos” podem curar as feridas que a vida lhes infligiu?
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 71 (72)
Refrão: Virão adorar-Vos, Senhor, todos os povos da terra.
Ó Deus, concedei ao rei o poder de julgar
e a vossa justiça ao filho do rei.
Ele governará o vosso povo com justiça
e os vossos pobres com equidade.
Florescerá a justiça nos seus dias
e uma grande paz até ao fim dos tempos.
Ele dominará de um ao outro mar,
do grande rio até aos confins da terra.
Os reis de Társis e das ilhas virão com presentes,
os reis da Arábia e de Sabá trarão suas ofertas.
Prostrar-se-ão diante dele todos os reis,
todos os povos o hão de servir.
Socorrerá o pobre que pede auxílio
e o miserável que não tem amparo.
Terá compaixão dos fracos e dos pobres
e defenderá a vida dos oprimidos.
LEITURA II – Efésios 3,2-3a.5-6
Irmãos:
Certamente já ouvistes falar
da graça que Deus me confiou a vosso favor:
por uma revelação,
foi-me dado a conhecer o mistério de Cristo.
Nas gerações passadas,
ele não foi dado a conhecer aos filhos dos homens
como agora foi revelado pelo Espírito Santo
aos seus santos apóstolos e profetas:
os gentios recebem a mesma herança que os judeus,
pertencem ao mesmo corpo
e participam da mesma promessa,
em Cristo Jesus, por meio do Evangelho.
CONTEXTO
A Carta aos Efésios apresenta-se como uma “carta de cativeiro”, escrita por Paulo da prisão (os que aceitam a autoria paulina desta carta discutem qual o lugar onde Paulo está preso, nesta altura, embora a maioria ligue a carta ao cativeiro de Paulo em Roma entre 61/63).
É, de qualquer forma, uma apresentação sólida de uma catequese bem elaborada e amadurecida. A carta, talvez uma “carta circular” enviada a várias comunidades cristãs da parte ocidental da Ásia Menor, parece apresentar uma espécie de síntese do pensamento paulino.
O tema mais importante da Carta aos Efésios é aquilo que o autor chama “o mistério”: trata-se do projeto salvador de Deus, definido e elaborado desde sempre, oculto durante séculos, revelado e concretizado plenamente em Jesus, comunicado aos apóstolos e, nos “últimos tempos”, tornado presente no mundo pela Igreja.
Na parte dogmática da carta (cf. Ef 1,3-3,19), Paulo apresenta a sua catequese sobre “o mistério”: depois de um hino que celebra a ação do Pai, do Filho e do Espírito Santo na obra da salvação (cf. Ef 1,3-14), o autor fala da soberania de Cristo sobre os poderes angélicos e do seu papel como cabeça da Igreja (cf. Ef 1,15-23); depois, reflete sobre a situação universal do homem, mergulhado no pecado, e afirma a iniciativa salvadora e gratuita de Deus em favor do homem (cf. Ef 2,1-10); expõe ainda como é que Cristo – realizando “o mistério” – levou a cabo a reconciliação de judeus e pagãos num só corpo, que é a Igreja (cf. 2,11-22)… O texto que nos é proposto vem nesta sequência: nele, Paulo apresenta-se como testemunha do “mistério” diante dos judeus e diante dos pagãos (cf. Ef 3,1-13).
MENSAGEM
A Paulo, apóstolo como os Doze, também foi revelado “o mistério”. É esse “mistério” que Paulo aqui desvela aos crentes da Ásia Menor… Paulo insiste que, em Cristo, chegou a salvação definitiva para os homens; e essa salvação não se destina exclusivamente aos judeus, mas destina-se a todos os povos da terra, sem exceção. Paulo é, por chamamento divino, o pregoeiro desta novidade… Percebemos, assim, porque é que Paulo se fez o grande arauto da “boa nova” de Jesus entre os pagãos.
Agora, judeus e gentios são membros de um mesmo e único “corpo” (o “corpo de Cristo” ou Igreja), partilham o mesmo projeto salvador que os faz, em igualdade de circunstâncias com os judeus, “filhos de Deus”; e todos participam da promessa feita por Deus a Abraão (cf. Gn 12,3), promessa cuja realização Cristo levou a cabo.
INTERPELAÇÕES
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Segundo Paulo, a salvação oferecida por Deus e revelada em Jesus não se destina apenas “a Jerusalém” (ao mundo judaico), mas é para todos os povos, sem distinção de raça, de cor, de cultura ou de estatuto social. Todos os homens e mulheres são filhos e filhas queridos de Deus. A todos Deus ama, todos fazem parte de uma família universal. Será que conseguimos ver em cada pessoa, independentemente das diferenças e particularismos que apresenta, um irmão ou uma irmã? Conseguimos apreciar devidamente a beleza de pertencer a uma família onde as diferenças não dividem, mas são um bem acrescentado que a todos enriquece?
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A fraternidade implica o amor sem limites, a partilha, a solidariedade… Sentimo-nos solidários com todos os irmãos que partilham connosco esta vasta casa que é o mundo? Sentimo-nos responsáveis pela sorte de todos os nossos irmãos, mesmo aqueles que estão separados de nós pela geografia, pela diversidade de culturas e de raças?
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A Igreja, “corpo de Cristo”, é a comunidade daqueles que acolheram “o mistério”. Esta comunidade é um espaço privilegiado onde se revela o projeto salvador que Deus tem para oferecer a todos os homens. É isso que, de facto, acontece? Na vida das nossas comunidades transparece realmente o amor de Deus? As nossas comunidades são verdadeiras comunidades fraternas, onde todos se amam sem distinção de raça, de cor, de estatuto social, ou de história de vida?
ALELUIA – Mateus 2,2
Aleluia. Aleluia.
Vimos a sua estrela no Oriente
e viemos adorar o Senhor.
EVANGELHO – Mateus 2,1-12
Tinha Jesus nascido em Belém da Judeia,
nos dias do rei Herodes,
quando chegaram a Jerusalém uns Magos vindos do Oriente.
«Onde está – perguntaram eles –
o rei dos judeus que acaba de nascer?
Nós vimos a sua estrela no Oriente
e viemos adorá-l’O».
Ao ouvir tal notícia, o rei Herodes ficou perturbado,
e, com ele, toda a cidade de Jerusalém.
Reuniu todos os príncipes dos sacerdotes e escribas do povo
e perguntou-lhes onde devia nascer o Messias.
Eles responderam:
«Em Belém da Judeia,
porque assim está escrito pelo profeta:
‘Tu, Belém, terra de Judá,
não és de modo nenhum a menor
entre as principais cidades de Judá,
pois de ti sairá um chefe,
que será o Pastor de Israel, meu povo’».
Então Herodes mandou chamar secretamente os Magos
e pediu-lhes informações precisas
sobre o tempo em que lhes tinha aparecido a estrela.
Depois enviou-os a Belém e disse-lhes:
«Ide informar-vos cuidadosamente acerca do Menino;
e, quando O encontrardes, avisai-me,
para que também eu vá adorá-l’O».
Ouvido o rei, puseram-se a caminho.
E eis que a estrela que tinham visto no Oriente
seguia à sua frente
e parou sobre o lugar onde estava o Menino.
Ao ver a estrela, sentiram grande alegria.
Entraram na casa,
viram o Menino com Maria, sua Mãe,
e, prostrando-se diante d’Ele, adoraram-n’O.
Depois, abrindo os seus tesouros,
ofereceram-Lhe presentes:
ouro, incenso e mirra.
E, avisados em sonhos
para não voltarem à presença de Herodes,
regressaram à sua terra por outro caminho.
CONTEXTO
O episódio da visita dos magos ao Menino de Belém, narrado no evangelho de Mateus, é um episódio de grande beleza, que rapidamente se tornou muito popular entre os cristãos. Ao longo dos séculos a piedade popular não cessou de o embelezar com acrescentos que, na maior parte dos casos, não encontram eco no texto de Mateus.
Os biblistas estão de acordo em que este relato se encaixa na categoria do midrash haggádico, um método de leitura e de exploração do texto bíblico muito utilizado pelos rabis de Israel, que incluía o recurso a histórias fantasiosas para ilustrar um ensinamento. Na verdade, Mateus não pretende descrever uma visita de personagens importantes ao Menino do presépio, mas sim apresentar Jesus como o enviado de Deus Pai, que vem oferecer a salvação de Deus aos homens de toda a terra.
Na base da inspiração de Mateus pode estar a crença generalizada, na região do Crescente Fértil, de que cada criança que nascia tinha a sua própria estrela e de que uma nova estrela anunciava um acontecimento que iria mudar a história humana. É provável também que Mateus se tenha inspirado, para construir esta bonita narrativa, num texto do livro dos Números onde um profeta chamado Balaão, “o homem de olhar penetrante” (Nm 24,15), anuncia “uma estrela que sai de Jacob e um cetro flamejante que surge do seio de Israel” (Nm 24,27). Esse anúncio teve sempre, para os teólogos de Israel, um claro sabor messiânico.
Finalmente, o relato de Mateus faz uma referência ao rei que governava a Palestina na altura do nascimento de Jesus: Herodes, chamado “o Grande”, falecido no ano 4 a.C., cerca de dois anos após o nascimento de Jesus. Embora se tenha distinguido pelas grandes obras que levou a cabo, foi um rei cruel e despótico, sempre pronto a matar para defender o seu trono.
MENSAGEM
A análise dos vários detalhes do relato confirma que a preocupação do autor (Mateus) não é de tipo histórico, mas catequético.
Notemos, em primeiro lugar, a insistência de Mateus no facto de Jesus ter nascido em Belém de Judá (cf. vers. 1.5.6.7). Para entender esta insistência, temos de recordar que Belém era a terra natal do rei David e que era a Belém que estava ligada a família de David. Afirmar que Jesus nasceu em Belém é ligá-l’O a esses anúncios proféticos que falavam do Messias como o descendente de David que havia de nascer em Belém (cf. Mi 5,1.3; 2 Sm 5,2) e restaurar o reino ideal de seu pai.
Notemos, em segundo lugar, a referência a uma estrela que apareceu no céu por esta altura e que conduziu os “magos” para Belém. A interpretação desta referência como histórica levou alguém a cálculos astronómicos complicados para concluir que, no ano 6 a.C., uma conjunção de planetas explicaria o fenómeno luminoso da estrela refulgente mencionada por Mateus; outros andaram à procura de um cometa que, por esta época, devia ter sulcado os céus do antigo Médio Oriente… Na realidade, é inútil procurar nos céus a estrela ou cometa em causa pois, como vimos, Mateus não está a narrar factos históricos. Mateus está, simplesmente, a dizer-nos que o Menino de Belém é essa “estrela de Jacob” de que falava o anúncio profético de Balaão (cf. Nm 24,17) e que, com o seu nascimento, se concretiza a chegada daquela “luz salvadora” de que falava a primeira leitura, que vai brilhar sobre Jerusalém e atrair à cidade santa povos de toda a terra.
Temos ainda as figuras dos “magos”. A palavra “mágos” (que parece ser de origem persa) abarca um vasto leque de significados e é aplicada a personagens muito diversas: mágicos, feiticeiros, charlatães, sacerdotes persas, propagandistas religiosos… Aqui, poderia designar astrólogos mesopotâmios, em contacto com o messianismo judaico. Seja como for, esses “magos” representam, na catequese de Mateus, esses povos estrangeiros de que falava a primeira leitura (cf. Is 60,1-6), que se põem a caminho de Jerusalém com as suas riquezas (ouro e incenso) para encontrar a luz salvadora de Deus que brilha sobre a cidade santa. Jesus é, na opinião de Mateus e da catequese da Igreja primitiva, essa “luz”.
Além de uma catequese sobre Jesus, este relato recolhe, de forma paradigmática, duas atitudes que se vão repetir ao longo de todo o Evangelho: o Povo de Israel rejeita Jesus, enquanto que os “magos” do oriente (que são pagãos) O adoram; Herodes e Jerusalém “ficam perturbados” diante da notícia do nascimento do menino e planeiam a sua morte, enquanto que os pagãos sentem uma grande alegria e reconhecem em Jesus o seu salvador.
Mateus anuncia, desta forma, que Jesus vai ser rejeitado pelo seu Povo; mas vai ser acolhido pelos pagãos, que entrarão a fazer parte do novo Povo de Deus. O itinerário seguido pelos “magos” reflete a caminhada que os pagãos percorreram para encontrar Jesus: estão atentos aos sinais (estrela), percebem que Jesus é a luz que traz a salvação, põem-se decididamente a caminho para O encontrar, perguntam aos judeus – que conhecem as Escrituras – o que fazer, encontram Jesus e adoram-n’O como “o Senhor”. É muito possível que um grande número de pagano-cristãos da comunidade de Mateus descobrisse neste relato as etapas do seu próprio caminho em direção a Jesus.
INTERPELAÇÕES
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Em primeiro lugar, atentemos nas atitudes das várias personagens que Mateus nos apresenta em confronto com Jesus: os “magos”, Herodes, os príncipes dos sacerdotes e os escribas do povo… Diante de Jesus, a “luz salvadora” enviada por Deus, estes distintos personagens assumem atitudes diversas, que vão desde a adoração (os “magos”), até à rejeição total (Herodes), passando pela indiferença (os sacerdotes e os escribas: nenhum deles se preocupou em ir ao encontro desse Messias que eles conheciam bem dos textos sagrados). Com qual destes grupos nos identificamos? Será possível sermos “cristãos praticantes”, andarmos envolvidos nas atividades da comunidade cristã e, simultaneamente, passarmos ao lado das propostas de Jesus? Nós, os que conhecemos as Escrituras, levámo-las a sério quando elas nos desafiam à conversão, ao compromisso, à opção clara pelos valores do Evangelho?
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Os “magos” são os “homens dos sinais”, que sabem ver na “estrela” o sinal da chegada da luz libertadora de Deus. Talvez hoje, com toda a pressão que a vida nos coloca, não consigamos ter tempo para olhar para o céu, à procura dos sinais de Deus; talvez a vida nos obrigue a andar de olhos no chão, ocupados em coisas bem rasteiras e materiais… Mas a aventura da existência terá mais cor se arranjarmos tempo para parar, para meditar, para falar com Deus, para escutar as suas indicações, para tentar ler os sinais que Ele vai colocando ao longo do nosso caminho… Talvez a nossa peregrinação pela terra tenha mais sentido se aprendermos a ler os acontecimentos da nossa história e da nossa vida à luz de Deus. Vale a pena pensar nisto…
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O relato de Mateus sublinha, por outro lado, a “desinstalação” dos “magos”: eles descobriram a “estrela” e, imediatamente, deixaram tudo para procurar Jesus. O risco da viagem, a incomodidade do caminho, o confronto com o desconhecido, nada os impediu de partir. Somos capazes da mesma atitude de desinstalação, ou estamos demasiado agarrados ao nosso sofá, ao nosso colchão especial, ao nosso comando da televisão, ao nosso computador, à nossa zona de conforto, à nossa segurança, ao nosso comodismo? Somos capazes de deixar tudo para responder aos apelos que Jesus nos faz, muitas vezes através dos irmãos que necessitam da nossa ajuda e do nosso cuidado?
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Os “magos” representam os homens de todo o mundo que vão ao encontro de Cristo, que acolhem a proposta libertadora que Ele traz e que se prostram diante d’Ele. É a imagem da Igreja – essa família de irmãos, constituída por gente de muitas cores e raças, que aderem a Jesus e que O reconhecem como o seu Senhor. Estamos bem conscientes de que Jesus é o centro para o qual todos convergimos e do qual irradia a luz salvadora que ilumina a nossa vida e a vida do mundo? E, quando olhamos para os irmãos e irmãs que connosco se reúnem à volta de Jesus, sentimos a comunhão, a fraternidade, os laços de família que a todos nos ligam?
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Os “magos”, depois de se encontrarem com Jesus e de o reconhecerem como “o Senhor”, “regressaram ao seu país por outro caminho”. O encontro com o Menino do presépio tem sido, nestes dias, um momento de confronto que nos leva a reequacionar a nossa vida, os nossos valores e opções, e a enveredar por um caminho novo, mais simples, mais humilde, mais fraterno, mais humano?