Espaços e Laços Especial 8
Solenidade do Sagrado Coração de Jesus:
Carta do Superior Geral e Conselho
Apresentação
A hodierna edição de Espaços e Laços tem por objetivo repassar a carta do superior geral e conselho para inspirar e iluminar nossa magna festa congregacional. O texto fala por si e dispensa quaisquer prévias ou ulteriores considerações.
Redação de E&L.
Roma, 10 de Junho de 2014
Partilhar o nosso Carisma Dehoniano
Carta para a Solenidade do Sagrado Coração de Jesus,
27.06.2014
A todos os Religiosos Dehonianos
Aos membros da Família Dehoniana
Introdução
Nos dias 15 a 20 de maio deste ano, esteve reunida, em Roma, a Família Dehoniana. O Encontro lembrou-nos que nós, religiosos da Congregação, não somos os únicos agraciados pelo dom do carisma de Leão Dehon. Partilhamos com irmãos e irmãs, que na sua experiência de fé encontraram um caminho para Jesus Cristo, o modo como podemos viver e transmitir aos outros aquilo que todos, em diferentes situações, já recebemos como dom do Espírito.
Ao aproximarmo-nos da Festa do Coração de Cristo, queremos aproveitar a ocasião para refletir sobre este dom para comunicá-lo, sem hesitação, a um maior número de pessoas. A nossa Regra de Vida refere que somos chamados a “fazer frutificar esse carisma, segundo as exigências da Igreja e do mundo” (1). Outros, como a Companhia Missionária do Coração de Jesus, o Movimento do Amor Misericordioso do Sagrado Coração de Jesus, a Fraternidade Mariana do Coração de Jesus, algumas mulheres consagradas e muitos grupos de Leigos Dehonianos, de jovens e adultos de diversas partes do mundo, estão já conosco nesta missão. Durante o Encontro da Família Dehoniana, aprovamos um “Itinerário formativo para Leigos Dehonianos” que nos servirá de ajuda nesta missão que queremos desenvolver juntos.
Esta carta pretende, antes de mais, incentivar-nos a todos, religiosos, consagrados e leigos, a difundir a especial leitura das Escrituras que Leão Dehon nos deixou em herança. Uma vez que acabamos de renovar e celebrar o nosso compromisso com toda a Família Dehoniana, hoje caminhamos juntos neste ideal.
Dons do Espírito
Ninguém pode reivindicar direitos de propriedade exclusiva sobre os dons do Espírito. Eles foram dados na total liberdade do Espírito que, tal como o vento, “sopra onde quer (…), mas não sabes de onde vem nem para onde vai” (Jo 3,8). Com a Igreja, acreditamos que Leão Dehon recebeu, de fato, um particular dom do Espírito. No entanto, sendo suas testemunhas, nós, Sacerdotes do Coração de Jesus, não podemos considerar-nos os únicos destinatários deste dom. O seu dom foi um dom para a Igreja e, como tal, propaga-se por onde quer.
Que mais é um carisma senão um modo de ver o mundo através dos olhos do Espírito? E que mais faz um dom do Espírito senão ajudar a olhar o nosso mundo e a nossa vida através da ágape, através do amor? Para Leão Dehon, tal modo de ver o mundo através do amor-ágape começou com a sua afeição à devoção ao Sagrado Coração. Inicialmente pensou tê-lo encontrado na via demasiado mística das Irmãs Servas do Coração de Jesus. Mais tarde, com o Consummatum est, quando este caminho foi considerado mais uma procura de segurança, passou a confiar mais na sua própria experiência do amor de Deus. Esta mudança traduziu-se numa busca cada vez maior pela fonte da vida no amor. Impedido de procurar essa fonte em sinais demasiado exuberantes, Pe. Dehon encontrou-a na Sagrada Escritura. Tornou-se um devorador da Palavra de Deus. O que encontrou foi a palavra original do Amor, uma infinita gratuidade que perpassa todas as coisas.
A nossa Regra de Vida indica dois lugares da Palavra de Deus que se revelaram uma autêntica descoberta para Leão Dehon (n. 2).
A primeira, é a bela profissão de Paulo, que se encontra na carta aos Gálatas (2,19-20), onde diz estar crucificado com Cristo, de modo que já não é ele que vive, mas é Cristo que vive nele. Isto deu a Paulo a certeza de viver na fé do Filho de Deus que, confessa: “me amou e se entregou a si mesmo por mim”. Esta foi a experiência mística de Paulo: uma profunda fé no amor – no amor de Deus – por si mesmo. Quem de nós conhece Leão Dehon confirma esta mesma confiança mística na sua vida.
O segundo passo da Escritura, é aquele da imagem do “lado aberto e do coração transpassado do Salvador”. Esta é a imagem de um Deus ainda mais humilde, que “entregou” Jesus para entrar plenamente na vida dos homens – até à morte, diz Paulo -para mostrar a sua misericórdia e compaixão. Numa das suas meditações, Leão Dehon escreve: “Eu preciso contemplar esta ferida para entender quanto sou amado e quanto devo amar em troca” [1].
Esta foi, em poucas palavras, a imagem de Deus impressa na alma de Leão Dehon. Sim, um Deus altíssimo – cheio de majestade e glória – e, no entanto, um Deus justo que, como ele gostava de recordar, citando o Sl 113, 7.9: “levanta da poeira o indigente, da imundície levanta o pobre (…) faz a estéril morar na sua casa como alegre mãe de filhos”. Ao longo da sua vida, Pe. Dehon soube combinar sempre estes dois aspetos de Deus: a sua justiça e o seu amor. Para Leão Dehon e para a tradição que ele seguia, não bastava definir a nossa identidade só pelo amor; preferia falar sempre de “amor e…”: amor e reparação – amor e imolação – amor e oblação. Conhecia bem a queixa de Jesus a Santa Margarida Maria Alacoque por causa da ingratidão e indiferença da humanidade diante do amor de Deus. Em resposta, assumiu, como compromisso pessoal, o propósito de unir-se a Cristo em seu sofrimento, para completar o que lhe faltava.
P. Dehon viveu intensamente esta relação de amor e justiça. Esforçou-se, ao longo da vida, em crer no amor de Deus. Para ele, como para nós, não foi assim tão simples aceitar que se é amado, mas acreditou o suficiente, a ponto de indignar-se profundamente contra o sofrimento dos trabalhadores e das suas famílias. O seu Deus de amor não se limitou a assumir toda a desumanidade ao seu redor. O Deus de amor também atribuía responsabilidade e autonomia às pessoas. À semelhança dos antigos profetas, conheceu igualmente o Deus da ira que se insurgia contra a injustiça. Basta reler o seu sermão de Natal, de 1871, ou as suas conferências de Roma, de 1897. O seu Deus de amor não podia ser amado se os homens também não vivessem o amor entre si. Para Leão Dehon não se tratava só de uma intuição teológica, mas de qualquer coisa que experimentava no profundo de si mesmo. Como carismático e místico, foi um apaixonado. Um apaixonado pelo mundo, mas cujo amor lhe vinha de dentro, das entranhas, e, para usar uma expressva palavra de Dorothee Sölle, “com ira visceral”.
Este sentimento não nos é estranho. Também nós o conhecemos “visceralmente”, no mal cometido pelos traficantes de mulheres e crianças, pelos que abusam de menores, pelos negociantes de armas, pelos traficantes de drogas, pelos terroristas fanáticos, e pela ganância no setor financeiro. Leão Dehon partilhou desta indignação, mas a sua “ira interior” levou-o a uma ativa procura pela libertação, à reparação, e a uma vida totalmente ao serviço do outro. Nos “atos de oblação”, mostrou como esta desumanidade era também uma “denúncia” de Deus à humanidade.
Esta indignação, esta ira causada pela injustiça era, no entanto, constantemente compensada pela misericórdia, pelo amor-ágape de Deus. Pe. Dehon sempre guardou a desproporção entre justiça e amor. Sabia bem que o amor estava num patamar infinitamente superior à justiça. Aprendeu-o de Jesus, para quem o amor soava sempre num registro mais alto, em contraste com a quotidiana melodia da vida. Na bela imagem de Roger Burggraeve, “nós temos que respirar com dois pulmões: misericórdia e justiça”[2]. Assim é Leão Dehon, no fundo do seu coração.
Os leigos dehonianos estão, às vezes, em melhores condições de dar testemunho desta interação entre justiça e amor. Efetivamente, a missão deles, de promover o Reino de Deus segundo o Coração de Cristo, está mais diretamente implicado com as questões de justiça e injustiça na sociedade. Eles podem ajudar os religiosos a completar a missão comum de criar a “comunidade de amor” (Cst 3).
O “lado transpassado” como uma chave bíblica
Nota-se, às vezes, uma hesitação entre nós dehonianos quando se trata de transmitir o nosso carisma e a nossa espiritualidade às pessoas com quem trabalhamos e convivemos. Temos a sensação que “falar do Sagrado Coração” ou “do Coração de Cristo” já não encontra ressonância entre o povo. Podia até ser verdade. De fato, já a encíclica “Haurietis Aquas” (1956) notava com pena: esta devoção “não encontra um lugar de honra e estima entre certos cristãos” (n. 8). No entanto, entre nós não é assim. Haurietis Aquas lembra-nos, aliás, que esta devoção não está baseada em “revelações” (n. 47), mas que vai ao coração da nossa fé, fundada nas Escrituras e numa longa Tradição.
Tanto S. Agostinho como S. Tomás de Aquino chamam a atenção para a passagem do Evangelho em que, à morte de Jesus, o véu do templo se rasgou em dois, revelando um Deus escondido. S. Tomás sugere que, até à Paixão, o coração das Escrituras era obscuro, “mas foi revelado depois da Paixão” (Exp Sl 21,11), exatamente como Jesus, o estranho, o relata aos discípulos de Emaús. Aqui a Paixão é o eixo central da compreensão do Deus de Jesus. O episódio é chamado de “abertura das Escrituras” (Lc 24,27). Um símbolo desta abertura está, para Tomás, no lado aberto de Jesus. Este é o lugar onde devemos procurar o significado das narrações bíblicas, a chave através da qual podemos ler não só a história de Jesus, mas também a história do Deus de Abraão, Isaac e Jacó, e do Deus das maldições e da ira nas Escrituras. Não é a isto que se refere o evangelho de João quando escreve, após a transfixão do lado de Jesus: “Isto aconteceu para se cumprisse a Escritura” (19,36)? E por uma boa razão ele acrescenta: “Hão de olhar para aquele que transpassaram”. Este é o motivo pelo qual Edouard Glotin vê na espiritualidade do Coração uma chave, talvez a chave, para ler as Escrituras[3].
Com Leão Dehon aprendemos a fazer o mesmo e, como ele, somos impelidos a entender as Escrituras através do lado aberto pela lança. Deste modo, Pe. Dehon torna-se um guia para compreendermos a Palavra de Deus, e um mestre para a nossa vida cristã e para a nossa ação pastoral. Só alguém que ama apaixonadamente pode atrair e fascinar outros a segui-lo. É esta paixão do Pe. Dehon pelo Coração de Cristo que nós transmitimos aos outros como o dom. Não disse no fim da sua vida: “Deixo-vos o mais maravilhoso de todos os tesouros: o Coração de Jesus”?Eis o dom a partilhar entre nós e com outros. É o nosso maior dom.
No lado transpassado de Cristo, também muitos leigos encontraram a fonte do Espírito para as suas vidas. Uma participante no Encontro da Família Dehoniana, em maio, disse na eucaristia de encerramento: “a espiritualidade dehoniana de amor e oblação, disponibilidade, entrega de si mesmo e reparação fez soar um acorde no meu coração. Ao partilhar convosco o carisma do Pe. Dehon,senti despertarem mim o que havia de bom, estreitar a minha relação com Deus e uma amorosa devoção ao seu Sagrado Coração. O que mais me motiva no P. Dehon é a sua paixão por Deus e o seu empenho pela justiça social”.
Grace Escobia, que pronunciou estas palavras, é uma advogada nas Filipinas, uma das promotoras de um serviço social – “Kasang Daughters” -, desenvolvido pela Região das Filipinas (PHI) que auxilia e apoia mulheres vítimas de abuso sexual. Ela é apenas um exemplo de uma leiga dehoniana que nos pode ensinar algo sobre o “lado trespassado de Cristo”.
Um só Dehon, muitos dehonianos
A partilha do carisma com os leigos faz parte da nossa tradição desde o início. Já em 1878, Pe. Dehon partilhava, cheio de entusiasmo, o seu dom com os leigos que lhe eram mais próximos – familiares, amigos e colaboradores -, intuindo que, também assim, o carisma melhor penetrava nas almas e nas sociedades. Desde o começo, muitos leigos se reuniam à volta do carisma numa associação que depois, já no fim da sua vida, se tornou conhecida com o nome: Adveniat Regnum Tuum. Era seu desejo que esta associação participasse da missão da Igreja, tal como a Congregação por ele fundada participava do crescimento do Reino do Coração de Cristo no mundo.
Mais tarde, o nome da associação mudou para Associação Reparadora. Infelizmente, nas décadas após a sua morte, o interesse pela Associação declinou. No entanto, surgiram outras formas de vida consagrada segundo o carisma: a Companhia Missionária, o MAMSCJ, a Fraternidade Mariana do Coração de Jesus.
Depois do Concílio Vaticano II, por impulso de uma espiritualidade de comunhão, que se verificou na nossa congregação como em muitas outras, a partilha do carisma experimentou uma renovação. A partir da Congregação e em muitos lugares, grupos de leigos começaram a apreciar a espiritualidade do Coração de Cristo, segundo o carisma do P. Dehon. A partir de 1985 começou-se a falar em Família Dehoniana, uma realidade que passou a congregar as várias expressões do carisma. Este espírito de Família carismática difundiu-se também muito entre jovens das nossas paróquias, obras sociais e educativas. Em variados grupos, se identificaram como dehonianos: “Missão Dehoniana Juvenil”, “Juventude Missionária” ou “Jovens Dehonianos”. Tornaram-se sobretudo conhecidos pelo modo como participavam do trabalho missionário dos religiosos dehonianos.
Rumo ao próximo capítulo
O desejo de viver o carisma de Leão Dehon está também na proposta central do próximo Capítulo Geral, que se realizará em 2015, em Roma. Em novembro passado, a Comissão Preparatória para o Capítulo havia já proposto o tema: “Misericordiosos, em comunidade, com os pobres”. A passagem da Sagrada Escritura que presidiu ao tema foi o hino cristológico da Carta aos Filipenses (2, 5-11): “Tende entre vós os mesmos sentimentos, que estão em Cristo Jesus”. O hino descreve a atitude humilde de Jesus como caminho para a glória.
A forma humilde de Jesus é descrita como o modo de estar de Deus no meio de nós. Se Jesus veio anunciar o Reino de Deus, ele mostrou que a onipotência de Deus está com os promotores da paz, os pobres, os mansos, os que têm fome e sede de justiça, com os que são perseguidos. O Reino tem a que ver com o estar com os pequenos – quais sementes de mostarda no mundo -, cuidando dos idosos, dos enfermos, dos feridos. Nos evangelhos pode-se ver, em primeira mão, o que significa cuidar das pessoas. Em Marcos, Jesus mostra que o Reino de Deus consiste em fazer o bem. Um terço do seu evangelho é sobre os milagres. Não são magia, não celebram uma rutura com as leis da natureza, mas são sinais, atos de poder sobre as forças do mal que mantêm as pessoas pequenas, alienadas, oprimidas e não livres na sua vida pessoal e social. Jesus mostrou-nos como Deus reina. No seu cuidado pelos outros, ele é o modelo, o mestre. Se quisermos ser seus discípulos, o que temos de fazer é tomar a nossa cruz e segui-lo, realizando o bem aos outros.
O tema do Capítulo sintetiza este modo de ser de Jesus “para nós” na palavra misericordiosos. Trata-se de uma maneira de designar aqueles que assumiram este caminho humilde de Jesus, qual sinal da bondade de Deus e do seu reino no mundo. Este é, segundo o tema, o modo como os dehonianos devem viver em comunidade: como misericordiosos que experimentaram nas próprias vidas o Reino de Deus, o amor-ágape de Deus; como misericordiosos que, reconhecendo-se frágeis e necessitados, se sentem, em virtude do dom do amor-ágape de Deus, livres para cuidar dos outros, a começar por aqueles que vivem na mesma comunidade, a fim de curar como Jesus curou. Deste modo, as nossas comunidades tornam-se comunidades de misericordiosos, que perdoam e se deixam perdoar, de pessoas sobre as quais Jesus pôs o seu olhar, tal como disse o Papa Francisco de si mesmo.
A exemplo do P. Dehon, queremos ser uma comunidade de pobres, para estar com os pobres, os excluídos, os que vivem à margem da Igreja e da sociedade, para estar com aqueles que raramente recebem atenção e cuidado pastoral. Faz parte do carisma dehoniano que todo aquele que o entendeu também o atualize para o seu tempo. Leão Dehon aprendeu isso mesmo das Escrituras: “Nenhum atributo de Deus é mais enaltecido nas sagradas Escrituras do que a sua misericórdia” (RSC 72)[4]. Deveríamos ser – diz-nos – como Jesus que não veio para procurar os justos, mas os caídos, os pecadores, os marginalizados. Com o Mestre aprenderemos “a grandeza da misericórdia do seu divino Coração” (RSC 288).
O que é que isto pode significar para a Congregação e para a Família Dehoniana? Num mundo globalizado, a Congregação deve viver esta misericórdia em comunidade, num modo que, há algumas décadas atrás, não seria possível imaginar. Nenhuma das nossas comunidades de hoje se assemelha às comunidades de há alguns anos atrás. O mundo tornou-se próximo também nas nossas comunidades, especialmente nas nossas comunidades internacionais, aliás, uma realidade sempre mais comum. Só recentemente é que nós percebemos o que isto significa para a formação dos nossos candidatos e para a nossa missão, num mundo que está sempre mais rompendo fronteiras nacionais e convidando a acolher o outro – nação, cultura, história – como um de nós. No próximo Capítulo queremos confrontar-nos com este mundo de hoje, queremos ter em consideração as casas internacionais de formação, as opções por uma missão fora do nosso país de origem, e o diálogo com as culturas e as religiões. De acordo com a Carta para a Solenidade do Sagrado Coração de Jesus, de há dois anos atrás, “enviar um confrade às missões ou recebê-lo na própria comunidade, exige uma mudança de perspetiva, uma capacidade de viver em comunhão, aberto à universalidade”.
Conclusão: Partilhando o dom
O impulso à internacionalidade que experimentamos nesses anos entre nós serve-nos, agora, também à partilha do carisma com os leigos. A Família Dehoniana está presente, de algum modo, na maioria dos países em que se encontra a Congregação ou a Companhia Missionária. Em muitos lugares, o dom do carisma é partilhado com os leigos em nível local. Desse modo, nós espelhamos o que é referido em muitos documentos recentes da Igreja, como: Deus Caritas est (2005), Aparecida (2007), Sacramentum Caritatis (2007), Caritas in Veritate (2009), Africae Munus (2011), e no mais recente ministério do Papa Francisco.
Agora é tempo de dar novos passos.
O primeiro desses passos foi dado em 1990, quando celebramos um primeiro encontro internacional dos grupos que compõem a nossa família carismática. Um segundo foi organizado no ano 2000. Este encontro levou-nos a preparar um documento, a Carta de Comunhão, que ajudou a articular as várias expressões do carisma dehoniano. Depois, em 2003, o termo Família Dehoniana foi acolhido e reconhecido pelo Capítulo Geral.
Um novo passo foi dado em maio passado. Neste Encontro refletiu-se sobre a necessidade de uma melhor coordenação entre as diferentes componentes da Família Dehoniana. Alguns expressaram o desejo de chegar a uma espécie de associação de leigos dehonianos. No entanto, os participantes preferiram, por agora, um crescimento mais orgânico da Família. Juntos, escolheram um grupo de coordenação, composto por dois leigos, uma pessoa consagrada, um religioso dehoniano. Um membro do Conselho Geral faz também parte deste grupo em ordem a uma coordenação mais ampla e completa da Família Dehoniana. O grupo foi constituído para um prazo de três anos.
O Encontro tratou de uma outra necessidade: do processo de formação dos leigos, na nossa espiritualidade. Os participantes aprovaram, então, um “Itinerário Formativo para leigos dehonianos”, que se compõe de quatro grandes fases, subsidiadas com textos adequados para quatro anos de continuado aprofundamento, cuja intenção é de facilitar uma introdução progressiva na espiritualidade dehoniana. Durante o encontro foram apreciados e aprovados os dez primeiros textos do Itinerário, disponíveis em várias línguas, com a recomendação que sejam adaptados de acordo com o contexto cultural local.
Ao dar estes passos, encorajamos todos a testemunhar o nosso carisma e a oferecer uma clara apresentação da nossa vocação dehoniana aos leigos. A atualidade do carisma anima-nos a partilhar com os leigos os fundamentos da nossa espiritualidade, para que também eles a possam viver na família, no trabalho e no compromisso comunitário e social. Mas não só! Anima-nos também a convidá-los a que participem conosco da missão decorrente do carisma, para que o amor que transborda do Coração de Cristo entre na vida dos pobres, nas causas que reclamam justiça, paz e reconciliação social.
O seminário Anthropologia Cordis, celebrado em Taubaté, em fevereiro deste ano, evidenciou a urgência de proclamar o amor de Cristo a um mundo sem casa, sem rosto e sem coração. Herdeiros do tesouro do Coração de Cristo, somos impelidos a empenhar-nos juntos em favor de um número cada vez maior de membros do povo de Deus, para que o mundo se torne mais fraterno, mais solidário, mais humano e cordial.
Desejamos a todos uma abençoada festa do Coração de Jesus.
P. José Ornelas Carvalho, Superior Geral, e o seu Conselho.
Espaços e Laços, especial 08: 17/06/2014.
[1] « J’ai besoin de contempler cette blessure pour voir combien je suis aimé et combien je dois aimer à mon tour » L’année avec le sacré-Cœur, Œuvres Spirituelles 3, p. 368
[2] Interview. « God is niet in de hoge hemel ». Unie van Religieuzen van Vlanderen, Golfslag 7 (2013) p. 281.
[3] La Bible Du Cœur de Jésus (Paris : Presses de Renaissance, 2007) p.39.
[4] La Retraite du Sacré-Cœur n. 72 – The citation refers to the website www.dehondocs.it. The works of Fr. Dehon found on the site www.dehondocs.it will be cited by the sigla of the work and the number of the paragraph. The list of the sigla and the directions for correct citations are found within the website under the heading “sigla and citations.”