Beber Água da Rocha
Em nossa caminhada pela história do culto ao Coração de Cristo, vamos ficar ainda alguns momentos com os Santos Padres da Igreja. Um deles, São Justino, da Escola de Éfeso, deixou-nos vários textos sobre Jesus como fonte de água viva que encerram uma pequena teologia do Coração de Jesus: uma combinação de Jo. 7,37 com Jo. 19,34 e com a imagem de Cristo como a rocha da qual brota água (cf 1Cor. 10,34).
Nós cristãos somos o verdadeiro povo de Israel que nasce do Cristo, porque saímos do seu Coração como de uma rocha (Diálogo 135,5). Esta teologia era bem conhecida em toda a Ásia Menor e também na antiga Igreja africana. São Cipriano, por exemplo, também escreve sobre isto.
Em algumas obras da antiga Espanha encontramos a mesma doutrina. O bispo Gregório de Elvira escrevia: “Quando o povo passava sede no deserto, Moisés bateu na rocha com a sua vara, isto é, com madeira, e brotaram rios de água. Assim foi prefigurado o mistério do Batismo. Porque a rocha é o símbolo de Cristo, como afirma o Apóstolo (S. Paulo): bebiam da rocha espiritual que os seguia. A rocha, porém, era Cristo. Por isso, não há dúvida, essa rocha era o corpo do Senhor que foi ‘batido’ (ferido) com a madeira da Cruz, e agora dele brota água viva para todos os que têm sede. Assim está escrito: Do seu seio correrão rios de água viva” (Tractatus Origenis 15, p. 165, Ed.Batiffol, Paris 1900).
Santo Ambrósio seguia a Escola Alexandrina e dizia que nós, que bebemos da fonte que é Cristo, tornamo-nos, agora, fonte de água viva para os outros. Apesar disso, ele deixou-nos uma linda mensagem, bem dentro da doutrina da Escola de Éfeso: Cristo é a fonte e nós somos convidados a beber. Veja o que ele escreveu: “Bebe de Cristo, porque Ele é a rocha donde brota a água. Bebe de Cristo, porque Ele é a fonte da vida. Bebe de Cristo, porque Ele é o rio cuja corrente traz alegria à cidade de Deus. Bebe de Cristo, porque Ele é a paz. Bebe de Cristo, porque do seu seio correm rios de água viva” (Explanatio Psalmorum 1,33).
Encontramos, aqui, uma expressão muito cara aos irmãos Rahner: Fonte de vida. E, a fonte de vida é Cristo, porque o Senhor ressuscitado entrega-nos o Espírito. O seu Coração é a casa, a lareira do Espírito. O Coração de Jesus dá-nos um coração novo porque nos dá seu Espírito.
São Boaventura lembra-nos que a Eucaristia nasce do Coração apaixonado de Jesus: “Ele que amara os seus, amou-os até o fim”(Jo. 13,1). Jesus levou o seu amor até o limite extremo. A Tradição da Igreja viu sempre no sangue que brotou do lado aberto de Cristo na Cruz, um símbolo da Eucaristia.
São Boaventura escreve: “Para que do lado de Cristo, morto na cruz, se formasse a Igreja e se cumprisse a Escritura que diz: ‘olharão para Aquele que transpassaram’, a Divina Providência permitiu que um dos soldados lhe abrisse com a lança o lado sacrossanto e dele fizesse brotar sangue e água. Este é o preço de nossa redenção, saído daquela divina fonte, isto é, do íntimo do seu Coração, para dar aos sacramentos da Igreja o poder de conferir a vida da graça e se tornar para aqueles que vivem em Cristo uma fonte de água viva que jorra para a vida eterna” (LH, III, p. 635).
Por: Padre Francisco Shenen, scj