CAMARÕES: DORES E CLAMORES DA ÁFRICA
Guerras na África: o caso NOSO, Camarões, e a presença dehoniana
Desde setembro de 2016, trava-se uma guerra civil nas regiões de língua inglesa do país, conhecidas como NOSO (Noroeste e Sudoeste), que já causou várias milhares de mortes. Os padres do Sagrado Coração tem três comunidades nessa área de crise. “O continente da guerra”. Este é um dos clichês utilizados em outros países para definir a África. Será que tal clichê corresponde à realidade? Não necessariamente, mas o fato é que o continente africano é o local de muitos conflitos armados em comparação com as atuais tendências globais. Em seu relatório de 2020, por exemplo, o Instituto Internacional de Pesquisa sobre a Paz, de Estocolmo (SIPIRI), observou que em 2019 ocorreram conflitos armados ativos em 32 países, dos quais mais de 15 na África {SIPRI YEARBOOK 2020. Armaments, Disarmament and International Security. Résumé en français, Les rapports du Grip 4 / 2020, p. 2}. Dois meses antes, o presidente da Comissão da União Africana havia reconhecido, diante dos Chefes de Estado, em Adis Abeba, que a África é “um continente que se debate com fenômenos como o terrorismo, conflitos intercomunitários, crises pré e pós-eleitorais e disputas entre os países…” {S.E. M. Moussa Faki Mahamat, Allocution du président de la commission de l’Union Africaine. Trente troisième conférence ordinaire des chefs d’état et de gouvernement de l’union africaine, Addis-Abeba, le 09/02/2020, p. 11}. Se a África, em geral, é lenta em se integrar e se impor na corte dos países industrializados, isto se deve, entre outras coisas, às muitas guerras espalhadas pelo continente e que são um inegável freio ao desenvolvimento. Um dos exemplos que chamou nossa atenção nos últimos anos é o Camarões, que antes era conhecido como um país de paz.
A crise anglófona nos Camarões
Desde setembro de 2016, trava-se uma guerra civil nas regiões de língua inglesa do país, conhecidas como NOSO (Noroeste e Sudoeste) {Herança da colonização, duas regiões (Noroeste e Sudoeste) sobre um total de dez, nos Camarões; ou seja, 20% da população são de língua inglesa, ao passo que os demais 80% falam francês}, o que já resultou em vários milhares de mortes. Tudo começou com as exigências pacíficas de advogados e professores de língua inglesa que protestaram contra a colocação de juízes de língua francesa nas regiões de língua inglesa, o que eles viram como uma banalização da “common law” (direito comum), praticada nas regiões de língua inglesa.
A estas reivindicações na forma de uma marcha de protesto na cidade de Bamenda, o governo, através das forças da lei e da ordem, respondeu com uma violenta reação: jogou gás lacrimogêneo e água sobre os manifestantes, chicoteando alguns manifestantes com bastões, fazendo múltiplas detenções, abrindo fogo, etc. Desconcertados por estas cenas dignas de um filme de ação, foi a vez dos estudantes de Buea, capital do Sudoeste, continuarem seus protestos. A resposta da polícia e das forças de defesa, enviadas para a área, deixou todos os observadores atônitos. Os estudantes foram perseguidos até suas respectivas casas, chutados e espancados com tacos, e mergulhados na lama como porcos. Em resumo, houve um ataque à dignidade de um grupo de pessoas que exigiam pacificamente uma mudança a seu favor. Quanto mais o governo usava a repressão, mais a população de língua inglesa se revoltava, desenvolvendo um grupo armado chamado “Amba boys”. Esta forma de resolução de conflitos pelo Estado, baseada na intimidação e na repressão, levou a uma mudança de demandas pacíficas no NOSO para uma guerra fratricida entre as forças separatistas (Amba boys), surgidas a partir dessas demandas, e o exército camaronês. Os separatistas estão pedindo a divisão do país para poderem formar um Estado independente, já batizado de “Ambazonia”, unindo as áreas de língua inglesa dos Camarões. Todos os esforços do governo, sempre egoístas e atrasados, para uma saída da crise, têm sido em vão até agora. A radicalidade venceu o lado dos separatistas: a separação.
Uma população desorientada
Presa em uma guerra indesejada entre o exército camaronês, por um lado, e as forças separatistas, por outro, a população dessas regiões de língua inglesa está perdida e desorientada: o sangue corre diariamente, as casas são queimadas, … como explica o padre Michael Fuh scj, pároco de Ndu, onde uma das localidades, Ngarbuh {Ngarbuh é um pequeno povoado, situado no distrito de Ntonga Manton}, é um dos maiores escândalos desta crise. Esta situação força a população inocente a fugir. As estatísticas são alarmantes: mais de 4.000 civis mortos, mais de 700.000 pessoas deslocadas internamente e 6.3800 refugiados na vizinha Nigéria {Ver o relatório das Nações Unidas: https://www.aljazeera.com/news/2021/4/1/violence-in-cameroon-anglophone-crisis-takes-high-civilian-toll}.
A presença dehoniana
Os dehonianos tem três comunidades nesta área de crise. Uma casa de formação em Bamenda e uma paróquia em Balikumbat, ambas na Arquidiocese de Bamenda, e outra paróquia em Ndu, na Diocese de Kumbo. Fiéis ao carisma de seu Fundador, os dehonianos que ali trabalham são muito ativos no acompanhamento aos fiéis, na educação das crianças, através das escolas paroquiais, e na formação dos jovens dehonianos através da casa de formação em Bamenda. A partir desta presença ativa por vários anos, desenvolveu-se uma admirável proximidade com a população local. É por isso que, mesmo que as atividades pastorais tenham sido atingidas desde o início da crise anglófona, a ligação com essas populações inocentes, mas sofredoras, não sofreu nenhum dano; pelo contrário, elas encontraram na presença dehoniana uma fonte de conforto e esperança, como nos recordam constantemente os padres dehonianos que trabalham no local. Suas paróquias tornaram-se até mesmo lugares de refúgio para essas populações desorientadas, das quais a guerra tomou tudo, deixando-as sem teto, sem comida e, às vezes, sem família. Em sua paróquia de Ndu, por exemplo, os padres do Sagrado Coração, em várias ocasiões tiveram que acolher as pessoas do povoado na casa paroquial, alojando-as e alimentando-as por algum tempo. Além disso, eles conseguiram encontrar famílias hospedeiras nas áreas de língua francesa do país para alguns dos jovens de suas paróquias. É o caso da jovem Amandine de Balikumbat, que teve que abandonar seus estudos por causa da guerra. Sem perspectivas de futuro no país, ela está, graças aos padres, bem instalada em uma família caridosa que a hopseda na área de língua francesa, onde está seguindo um curso de treinamento que deve permitir-lhe conseguir uma vida digna. Em sua missão de pastores dessa população oprimida, os dehonianos se entregam de corpo e alma para que o reino de Deus, um reino de paz, chegue às almas dessas populações aterrorizadas e ao coração dessa sociedade em guerra. Que seu trabalho, juntamente com os esforços de todos os outros pacificadores, dê frutos de paz que se espalhem por toda a África!
Pe. Boris Igor Signe SCJ (https://www.dehoniani.org/)