MEMÓRIAS DA NOSSA HISTÓRIA
Conventinho de Taubaté. Os Dehonianos no Vale do Paraíba
CAPÍTULO 8
OS PIONEIROS
8.1. Os primeiros mestres
Para falar sobre o primeiro grupo de padres professores que vieram a Taubaté há 78 anos, vamos dar a palavra a um dos primeiros alunos desses professores, que mais tarde veio a ser o arcebispo de Olinda e Recife, dom Antônio de Almeida Moraes. Ele escreveu uma belíssima carta por ocasião do 75º aniversário da fundação da Congregação dos Padres do Sagrado Coração de Jesus e 50º aniversário da vinda dos primeiros dehonianos ao Brasil Meridional.
Não queremos nos furtar ao prazer de transcrever a referida carta do arcebispo de Olinda e Recife, que expressa as mais calorosas e justas palavras de amizade e saudação aos nossos pioneiros:
“Gabinete do Arcebispo de Olinda e Recife.
Aos queridos Padres do Sagrado Coração de Jesus.
(…). Na minha formação sacerdotal devo tudo a esses abnegados e admiráveis sacerdotes que dirigiram, por vários anos, o Seminário Maior e o Seminário Menor de Taubaté, em São Paulo.
Mas não poderia traçar aqui estas humildes palavras sem relembrar os nomes que me encheram a inteligência de admiração, o coração de entusiasmo e a alma de ressonâncias indestrutíveis. padre Thoneick, padre Fernando Baumhoff, padre Pedro Hauer, padre Clemente Britzen, padre Fischer, padre Schauffhausen, padre Koenigsmann, padre Inácio Burrichter, padre Lacroix, padre Claassen, são nomes que vivem no coração e na nossa lembrança.
Padre Clemente Britzen, já no céu, esse homem admirável, esse asceta encantador, esse formidável professor de filosofia e dogma, cuja figura ficou na nossa vida como um dos maiores filósofos que conhecemos no Brasil…
A beleza encantadora de suas aulas em latim ou francês (pois que fora aluno de Mercier), a eloquência com que fazia suas preleções profundas e maravilhosas, o alto conhecimento de matemática com que analisava, diante de nossos olhos espantados o relativismo de Einstein; a convicção soberana e imensa cultura com que explanava as teses dogmáticas, enchendo-nos de entusiasmo e vibração e sobretudo a unção de maravilhosa piedade, de profunda humildade com que envolvia sua prodigiosa inteligência e o senso de justiça que presidia a todos os seus atos, tudo imortalizou na nossa gratidão e na nossa saudade a figura ímpar do sábio e do antigo missionário da África.
Padre Fischer era o grande moralista. O professor dotado dessa extraordinária capacidade de tornar tudo claro como a água cristalina. Falando um latim clássico como profundo conhecedor de Horácio e de Virgílio, fazia de suas aulas de teologia moral e direito canônico, verdadeiras preleções de Universidade, com um senso prático maravilhoso, com uma capacidade de ensinar incrível. Saíamos das aulas com a matéria aprendida, dispensando quase o estudo.
Às vezes enchia-nos de pavor a sua estatura gigantesca. Mas logo descobrimos que o gigante era bom e amigo como S. Cristóvão, o Santo do seu nome.
Padre Fernando era o sorriso alegre de todos os momentos e o latinista que surpreendia pelo seu profundo conhecimento da língua de Cícero e de Virgílio. Abria a obra de Virgílio ou de Horácio em qualquer página, ao acaso, estabelecia imediatamente as medidas dos versos, com
conhecimento perfeito da métrica e espantava-nos com a facilidade extraordinária com que traduzia qualquer página.
Quando lecionou dogma por algum tempo, falava o latim com mais facilidade com que nós falávamos o português. Mas encantava-nos sobretudo o seu bom humor. Era um homem que vivia com o sorriso nos lábios e a bondade na alma.
Padre Hauer era o asceta, de uma vida espiritual profunda, de uma piedade comovedora e de grande conhecimento teológico. A obediência fizera dele um professor de matemática. Também nessa matéria mostrava-se exímio. Quis Deus eu o visse ainda antes de seguir para Roma.
É um sacerdote que desperta admiração e emociona pela sua profunda vida espiritual.
Padres Schaffhausen e Inácio eram os homens da língua de Horácio. Apertavam-nos nas traduções da formosa língua da Hélade e sobretudo faziam-nos descer ao subsolo da língua portuguesa, surpreendendo as raízes numa impressionante colheita etimológica.
Padre Locroix, o homem da imprensa e das Editoras. Foi sempre um apóstolo denodado do livro. Tinha o voto de não perder tempo. Quando se punha a escrever um livro, esquecia-se da refeição, do sono, de tudo: só lembrava da oração.
“Solução do Problema Sexual” um dos seus últimos livros, traduzido também para o espanhol, tornou-se notável.
Padre Claassen, até agora Provincial; padre Poggel, provincial que o antecedeu; padre Pedro Storms, homens piedosos e de uma dedicação admirável pela Congregação, cultos e apostólicos, recordam tempos de trabalho e santa amizade.
Enfim, aqui apenas recordo aqueles que estão mais ligados ao meu coração como Mestres e Amigos. Nada disse aqui do Revmo. Pe. Thoneick, porque, sobre sua augusta personalidade, deixei em artigo à parte o testemunho do meu coração e os protestos de minha gratidão.
É uma hora da madrugada. O trabalho intenso desta imensa arquidiocese absorve-me completamente.
Mas que pena não me permitir o tempo abrir ainda mais o meu coração para relembrar figuras tão queridas, cuja ciência, cultura e piedade ressoam na minha alma como o maior presente que a Providência me legou!
Rendendo graças a Deus por datas tão significativas, envio aos queridos padres do Sagrado Coração de Jesus o meu abraço de saudade e a minha amizade de discípulo saudoso e agradecido, abençoando-os de coração.
Dom Antônio de Almeida Moraes Jr.
Arcebispo de Olinda e Recife” {Busarello, op. cit., pp. 24-26}.