MEMÓRIAS DE NOSSA HISTÓRIA
Conventinho de Taubaté. Os Dehonianos no Vale do Paraíba
5.3. Os padres deixam o seminário
5.3.1. O mistério do sofrimento nas obras da Igreja
O episódio da saída de nossos padres do Seminário Diocesano de Taubaté está ligado ao processo de formação ao sacerdócio de luso-brasileiros, notadamente orientada por padres estrangeiros.
Não obstante toda a competência, bondade e sabedoria desses grandes mestres, admirados por muitos alunos, sua rigidez disciplinar e ascética européia eram demasiado exigentes. Esse era um dos aspectos que criou um mal-estar entre alunos e padres formadores.
Sondando a realidade e prevendo novidades, os padres, já durante o primeiro semestre de 1924, começaram a tomar algumas medidas de remanejamento de pessoal para outros campos pastorais, indo para as paróquias. Prova disto é o Livro do Tombo do seminário diocesano, quando faz constar, no dia 15 de fevereiro de 1924, o seguinte registro: “Deixa o seminário o Revmo. Pe. Fernando Baumhoff (foto ao lado), vice-reitor e lente de Dogma. É substituído pelo Revmo. Pe. Clemente Britzen” {Livro de Tombo do Seminário, fl. 35v.}.
Em julho de 1924, padre José Koenigsmann adoecera e padre Inácio Burrichter foi transferido para Brusque (SC). No seminário lecionavam ainda os padres Thoneick, Fischer, Britzen e Koenigsmann.
Quanto a esse clima tenso do seminário, temos no primeiro livro das crônicas do Conventinho uma interessante anotação dos cronistas das “folhas avulsas”, deixando entrever um mal-estar entre os alunos, como também entre alguns padres diocesanos e a direção do seminário confiada aos dehonianos. Os “cronistas das “folhas avulsas” indicam algumas causas dessa tensão:
a) descontentamento dos alunos com a disciplina rigorosa; b) inveja da parte de alguns membros do clero secular que ambicionavam a direção do seminário; c) críticas quanto ao modo pelo qual eram recebidos e apresentados os confrades sjcotas em visita ao seminário.
No final de julho de 1924 veio a gota d’água para acelerar o processo, quando surgiu uma infundada e grave acusação de um influente eclesiástico da diocese contra os nossos padres: colocava suspeitas à honestidade da administração do estabelecimento. Diante dessa grave acusação, o Bispo exigiu retirada imediata dos padres dehonianos do seminário. Isto aconteceu a 1º de agosto de 1924. Por algum tempo os padres foram morar num hotel da cidade, “Hotel Palace”, até que houvesse condições de morar no prédio em construção, na chácara, no bairro do Areão, hoje a Vila São Geraldo. Enfim, esse desagradável incidente gerou um grande mal-entendido entre o piedoso bispo e nossos padres. Foi uma das maiores provações que o bispo teve em sua vida. Viu-se na iminência de cerrar as portas do seminário diocesano e dispensar os seminaristas {cf. Cr. I, fl. l9; Padre Ascânio Brandão, op. cit., p. 184}.
5.3.2. O depoimento de um padre
Padre Ascânio Brandão, em seu livro DOM EPAMINONDAS, escreve delicadamente sobre a saída dos padres do seminário e o sofrimento do bispo. Peço ao caro amigo leitor a paciência para acompanhar o diálogo entre o padre e o bispo, diálogo esse muito esclarecedor para a correta versão da história que gerou sofrimento para o bispo e, sobretudo, para os nossos primeiros padres. Passemos diretamente à transcrição do texto do supramencionado autor:
“Após quatro anos de direção proveitosa os Revmos. Padres do Coração de Jesus, por razões íntimas da Congregação, não puderam mais continuar à frente do seminário.
Que fazer?
Justamente na hora em que mais próspera e já produzindo frutos ia a obra das vocações, o seminário ameaçado de um fracasso!
Como em todas as horas graves da sua vida, dom Epaminondas rezava e mandava rezar.
Mandou celebrar uma novena de missas ao Divino Espírito Santo.
Resolvera fechar provisoriamente o seminário menor e enviar os seminaristas maiores à Diamantina.
Já tudo estava preparado para o golpe doloroso.
E o santo prelado abatido, triste, passava noites inteiras em claro, com insônias, a pensar, chorar e rezar.
Foi um período em que se ressentiu profundamente a sua saúde.
Em desabafos da intimidade dizia: – O seminário me leva à sepultura. Este golpe é por demais doloroso! Não vejo solução. Tantos anos de sacrifícios e de lutas, e vejo agora fracassar uma obra que foi o sonho, o ideal de minha vida de bispo!
E os olhos marejados de lágrimas traiam a amargura da sua alma.
Numa tarde passeávamos pelo jardim do Palácio. A tristeza de dom Epaminondas me impressionava.
Olhava indiferente para as flores e canteiros que sempre o interessavam, falava pouco, pensativo e triste.
– V. Excia. está doente, sente-se mal, Sr. Bispo? perguntei-lhe.
Sacudiu a cabeça: – Tenho o coração apertado. Nunca passei horas tão amargas em minha vida… O seminário, este seminário!…
E palestramos longamente sobre o grande problema então quase insolúvel. Terminou dizendo: – Não sei se resistirei a este golpe. Esta minha lesão cardíaca e meu estado de fraqueza cada vez mais acentuando…
– E se tentássemos um grande esforço? disse-lhe então.
– Qual?
– Dê-me licença V. Excia. de hoje mesmo procurar o Sr. Vigário Geral e Secretário do bispado e os padres da sede do bispado e propor-lhes um esforço coletivo em prol do seminário. Cada um fará o que puder.
Neste momento chega o dedicado Secretário do Bispado, padre Florêncio Rodrigues.
Expus-lhe a situação e falei-lhe do abatimento e amargura de dom Epaminondas. Aceitara o alvitre.
E nesta mesma tarde saímos a procura de professores para o seminário.
O Exmo. Mons. Nascimento Castro com toda boa vontade aceitara a reitoria. Dois ou três sacerdotes da sede episcopal se comprometeram a dar aulas. Formou-se em dois dias o quadro das aulas e da Diretoria.
Diácono, então, o Revmo. Pe. Aníbal de Melo assumiu provisoriamente a direção interna do seminário menor. E o seminário continuou a sua vida regular.
Voltara a alegria ao coração de dom Epaminondas.
Tiramos-lhe um peso enorme da alma” {Padre Ascânio Brandão, op. cit., pp. 184-186}.
Pe. José Francisco Schmitt, scj.