MOÇAMBIQUE: O POVO E A CRISE ECOLÓGICA
A crise climática e a tragédia das pessoas deslocadas
Conversa com o bispo Dehoniano, Dom Claudio Dalla Zuanna, arcebispo da Beira (Moçambique), por ocasião da recente publicação do documento do Vaticano sobre as pessoas deslocadas pela crise climática.
No dia 31 de março, Dom Claudio participou numa conferência de imprensa, no Vaticano, durante a qual foi apresentado o novo documento do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral. Pode apresentar-nos esse documento?
O documento que nessa ocasião foi apresentado chama-se: “Orientações Pastorais sobre as Pessoas Deslocadas pela Crise Climática” (OPPDCC). É um documento que passa a fazer parte do Magistério da Igreja e que se concentra exclusivamente sobre as pessoas deslocadas pela crise climática, destacando o atual cenário global e sugerindo respostas pastorais. O objetivo é fornecer às igrejas locais um instrumento para responder pastoralmente às pessoas que são forçadas a deixar as suas casas, relações sociais e meios de subsistência devido aos desastres naturais motivados pelas mudanças climáticas que ocorrem no mundo.
Na sua opinião, porque é que se publica este documento sobre as alterações climáticas neste momento particular de nossa história?
Os meios de comunicação social trazem-nos frequentemente informações sobre desastres naturais: ciclones, inundações, secas, incêndios de enormes proporções e outros. Não se trata de fenômenos isolados e desligados entre si, mas todos têm uma origem comum: as alterações climáticas. É uma crise climática que envolve esta nossa casa comum que é o planeta Terra. Esta crise está a intensificar-se e aumenta exponencialmente o número das vítimas e dos prejuízos em cada continente. Já não podemos pensar que seja algo que não nos diga diretamente respeito, só porque no nosso país tais fenômenos extremos ainda não são muito frequentes.
No prefácio escrito pelo Papa Francisco, faz-se uma conexão entre a crise das alterações climáticas e a atual crise sanitária. Devemos interpretá-las do mesmo modo?
Os dois fenômenos não são a mesma coisa, mas estão ligados entre si na sua causa profunda: a pressão a que o planeta está sujeito, ampliada pela ação do homem, acelera o aumento da temperatura, destrói ecossistemas, provoca a desflorestação e aumenta a poluição.
Em menos de dois anos registraram-se três ciclones na cidade de Beira, sede da sua arquidiocese. Quais são as consequências das alterações climáticas em Moçambique?
O fenômeno dos ciclones, tão frequentes na zona centro de Moçambique, é uma das consequências das alterações climáticas. A ilha de Madagáscar, situada mesmo em frente à costa moçambicana, protegia esta zona da maior parte dos ciclones que se formam em mar aberto, mas agora, com a elevada subida da temperatura da água do Canal de Moçambique, facilmente as perturbações ou tempestades tropicais transformam-se em ciclones destruidores que frequentemente causam inundações.
Por outro lado, a seca que atinge periodicamente o país, principalmente no sul, parece estar ligada ao aumento da temperatura e à desflorestação. Muitas pessoas abandonam as zonas rurais porque a terra já não é suficientemente fértil e o acesso à água torna-se cada vez mais difícil.
Na conferência de imprensa, Dom Claudio disse: “Não podemos limitar-nos a fazer intervenções de emergência, motivados, às vezes, por emoções que se desvanecem rapidamente, nem a realojar pessoas deslocadas em zonas onde não são dispensados os serviços essenciais”. Que soluções concretas e eficazes propõe para o caso das pessoas deslocadas pela crise climática na cidade da Beira?
Não se pode esperar que milhares de pessoas não tenham onde se refugiar para se dar início à preparação de estruturas de acolhimento. A cidade da Beira situa-se junto à costa e é circundada por uma vasta planície com milhares de quilômetros quadrados situada pouco acima do nível do mar. Todos os habitantes desta área são possíveis “candidatos” a tornarem-se deslocados pela crise climática. É necessário começar a criar áreas equipadas com os serviços básicos fora desta região que é frequentemente inundada e criar também oportunidades de subsistência para que as pessoas se sintam estimuladas a fixarem-se nestas novas localidades. Como diocese, estamos a construir casas simples para as famílias deslocadas mais desfavorecidas que, devido aos três últimos ciclones, são realojadas nessas novas áreas a cerca de 60 km da cidade.
Dada a dramática situação que se vive no norte de Moçambique, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) anunciou que o número de pessoas forçadas a fugir do norte do país poderá ultrapassar um milhão até junho, se o atual clima de violência não parar. O que é que a Igreja e as instituições internacionais estão a fazer nessa região?
Trata-se de uma situação verdadeiramente dramática e trágica. A Igreja, desde as primeiras ações de desestabilização, deu a conhecer o que estava a acontecer, apesar das autoridades quererem manter tudo isso escondido. A diocese local, através da Caritas e apoiada por toda a Igreja de Moçambique e por muitas pessoas de boa vontade, principalmente dos países de origem dos numerosos missionários, desde o início acolheu os primeiros refugiados, dando-lhes comida e roupa, bem como serviços de atendimento e de apoio psicológico. Nestes últimos dias foi publicada uma declaração da Conferência Episcopal sobre esta tragédia e sobre a situação de incerteza por que passa o país e na qual se reconhece que os jovens sem oportunidades de uma vida digna, são um terreno fértil para a instabilidade. A Igreja deseja continuar a colaborar com as autoridades e com todas as forças vivas do país na construção de uma sociedade unida e solidária. É por isso que exorta as instituições locais e a comunidade internacional a ajudar as muitas pessoas deslocadas e as que vivem em risco de fome, a criar oportunidades para os jovens e a defender da violência a população indefesa.
Boris Igor Signe (https://www.dehoniani.org/)