Saberes e Sabores de Solidariedade
As Pequena Dádivas
A família, constituída do pai e um filho menor era pobre, vivendo com os poucos recursos financeiros que o pai ganhava no trabalho de vigilância noturna. Certo dia, o pai adoeceu, ficando acamado por tempo mais longo do que podiam suportar suas economias. Com falta do que comer em casa, o filho pequeno saiu às ruas pedindo comida para ele e para o pai doente. Escondendo as lágrimas pela tristeza e pela preocupação, passou o primeiro dia sem nada conseguir. No segundo dia, quase ao anoitecer, enquanto revirava um saco com lixo residencial em frente a uma loja que estava encerrando o expediente, viu se aproximar um senhor de meia idade, sorridente, com ar bondoso, que trazia nas mãos uma pequena marmita, bem quentinha, que lhe ofereceu. Meio receoso, o menino segurou a marmita ouvindo a recomendação do seu benfeitor:
– “Coma enquanto está quente!”
– “Muito obrigado, senhor, mas gostaria de ir comê-la em casa, para repartir com meu pai”, disse o menino.
Sorridente e paternal, o lojista perguntou-lhe:
– “O que o seu pai faz em casa, enquanto você sai por aí procurando o que comer? Ele não trabalha?”
– “Trabalha sim, e muito. Mas, há dias está acamado. Como acabou o dinheiro para comprar comida, fui obrigado a sair pedindo um pedaço de pão. Só que não tenho recebido quase nada”, respondeu o pequeno andarilho.
– “Você mora muito longe daqui?”, continuou o bom senhor.
– “Não, não. Em pouco tempo eu chego lá. E sei que a comida ainda estará bem quentinha”, apressou-se em dizer o menino, com olhos um pouco mais alegres.
– “Quer saber, meu pequeno, eu vou até lá com você, se você deixar. Assim, aprendo onde você mora e aproveito para conhecer seu pai. Que tal?”, acrescentou o jovem senhor.
O menino concordou e lá se foram os dois. O quadro, com que se deparou o dadivoso lojista, ao entrar no barraco, era de lastimar. No entanto, pai e filho sorriam diante do alimento, que o menino rapidamente dividiu em dois pratos e serviu logo ao chegar em casa. Depois que os dois terminaram a rápida refeição, a primeira nos últimos dois dias, o nobre comerciante despediu-se e retornou ao seu lar, prometendo voltar em breve.
Alguns dias se passaram, quando, também num final de tarde, entram na loja o menino e seu pai, este um pouco mais disposto, procurando pelo dono. Vieram para agradecer, disseram à jovem senhora que estava atendendo no balcão, ao tempo que queriam saber o que poderiam fazer para retribuir a dádiva da comida limpa e quentinha, que haviam recebido dele. Enquanto seu pai falava com a atendente, o menino começou a juntar pedaços de papel que estavam no chão, quando chegou o dono da loja, marido da senhora que os atendia. Alegria, abraços e boa conversa…
Ao se despedirem, o lojista olha demoradamente para o menino e lhe diz:
– “Meu pequeno, você não tem o que me agradecer, eu apenas fiz o que faria por um filho meu. Fico feliz de ter podido ajudar. No entanto, se você quiser, poderá vir trabalhar comigo, ajudando-me na loja, assim, não será preciso você sair por aí pedindo comida, caso o seu pai volte a adoecer. Que tal?”
O menino timidamente olhou para o seu pai, como a perguntar com o olhar: e aí, o que eu digo? O pai, discretamente, lhe fez um sinal afirmativo com a cabeça, sem nada falar. A partir daí, o menino começou trabalhar.
Passado um tempo, voltou para a escola, e continuou trabalhando. Cresceu, tornou- se adulto e continuava a trabalhar na loja. Sempre com muita seriedade, responsabilidade e espírito de gratidão. Seu pai veio a falecer, devido a idade avançada. O casal de lojistas não tinha filhos. Com o tempo, chegou a velhice dos dois. Logo mais, a esposa também falecera. E aquele pequeno menino, agora já um homem, foi quem ficou cuidando da loja e também do bondoso lojista, amparando-o na velhice, auxiliando-o na enfermidade, acompanhando-o no dia-a-dia, como devotado filho.
E pensar que tudo começou com um prato de comida! Uma pequena dádiva, modificando destinos. Um sorriso, um gesto de carinho, um telefonema, um abraço, um beijo, uma palavra de apoio e de incentivo, uma flor, um bilhete, um aceno, um bombom, um copo com água, um pedaço de pão. Nós podemos fazer muito, com tão pouco…
“Nós não podemos criar uma outra alma, mas podemos despertar a alma que está adormecida” (Janusz Korczak).